COTAS SIM E JÁ! |
Confira a seguir o artigo doe studante e ex-presidente da UBES sobre as cotas para negros na universidade.
“Temos o direito a ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza;
e temos o direito a ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza.
Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma
diferença que não produza, alimente ou reproduza as desigualdades.” (Boa Ventura de Souza Santos).
e temos o direito a ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza.
Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma
diferença que não produza, alimente ou reproduza as desigualdades.” (Boa Ventura de Souza Santos).
No dia 26 de Abril o Supremo Tribunal Federal (STF) votou a favor da
constitucionalidade das cotas raciais, entretanto, passou batido pela
maioria das análises midiáticas o voto do relator, o ministro Ricardo
Lewandowski.
Num documento de 47 páginas, o ministro da uma cacetada na chamada
“democracia racial brasileira”, ele não se limita quanto à
constitucionalidade, vai além, diz ele: “as cotas são constitucionais e
necessárias”.
Karl Marx já apontara nos Manuscritos econômicos e filosóficos a
diferença gritante entre igualdade formal versus igualdade material,
perante a lei todos são iguais, porém, uma “passadela” de olhos na
realidade demonstra claramente o quanto isto é vazio e, é este o caminho
pelo qual o relatório inicia seu percurso, o ministro afirma com todas
as letras que apenas o princípio da igualdade material, que em última
instância é a igualdade de oportunidades, ou seja, igualdade do ponto de
partida, poderá corrigir as desigualdades sociais.
Obviamente a conclusão do relatório do ministro não seria a mesma do
velho Marx. O conceito usado pela corte suprema é o de justiça
distributiva, grosso modo quer dizer que as desigualdades produzidas
pela sociedade seriam equalizadas pela justiça, ledo engano, o próprio
exemplo das cotas raciais desmoraliza este conceito, pois, o Brasil já
havia assinado em 1968 a Convenção para a Eliminação de Todas as Formas
de Discriminação Racial da ONU, mas, somente 44 anos depois de ter
assinado tal documento, o país – através do STF – vai dizer que são
constitucionais as políticas afirmativas e, mesmo esta afirmação não
garantirá que as universidades brasileiras implementem essas medidas.
As cotas foram instituídas pela primeira vez na Índia em 1935 para
proteger as Scheduled Castes e Scheduled Tribes, que constituíam 23% da
população indiana e, não se limitam ao campo educacional, são cotas no
parlamento.
Por que recorte racial e não de renda?
Durante muito tempo os movimentos sociais defenderam o recorte de
renda para o ingresso no ensino superior, passei por esta experiência
quando fui presidente da UBES, a entidade defendia reserva de vagas para
estudantes de escolas públicas e não cotas raciais.
São vários os argumentos para se defender apenas o recorte de renda,
entretanto, esta percepção não leva em consideração que a discriminação
racial não ocorre apenas na relação ricos e pobres, mas, também entre
pessoas pobres de diferentes fenótipos.
Segundo os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
(PNAD) de 2009, a população negra/parda tem uma incidência de
analfabetismo de 13,3% e 13,4% respectivamente, contra 5,9% dos brancos.
A população branca de 15 anos em diante tem em média 8,4 anos de
estudos contra 6,7 anos dos negros/pardos. Os jovens brancos entre 18 e
24 anos que estão na universidade chegam a 62% contra 28% para os negros
e 31% para os pardos. Claramente o recorte de renda não resolve o
problema da inclusão dos negros no ensino superior.
Atentemos agora para o principal argumento daqueles que não aceitam
de maneira nenhuma as cotas raciais, com base no fato de que
geneticamente somos todos iguais, estes geneticistas sem história
afirmam que há apenas uma raça, a raça humana, com este simplismo fecham
questão e esquecem que a discriminação é um conceito socialmente
construído.
No passado acreditava-se que os negros eram geneticamente inferiores
e, por isso foram subjugados com a escravidão. Depois de erigida toda
uma cultura com base no racismo e discriminação chega-se a conclusão que
todos são iguais e, por tanto, o negro deve ter os mesmos direitos que o
branco. Como se a história fosse sequestrada, estabeleceram leis iguais
para pessoas que foram tratadas de maneira extremamente desigual. As
duas conclusões genéticas – a da escravidão e a contrária a escravidão –
mantêm, de maneiras diferentes obviamente, os negros(a) a margem da
sociedade. As cotas raciais são um instrumento de discriminação
positiva, um conceito autorizado pela constituição brasileira.
Conservador, quem é você?
Nesta última parte cabe à derradeira provocação, visto que, nenhuma
universidade pública precisaria esperar tal decisão do STF para
instituir o sistema de cotas raciais, a Universidade Estadual do Rio
de Janeiro (UERJ) já o fez a mais de dez anos e os resultados são
espetaculares, então, porque cargas d’água não temos cotas em todas as
universidades públicas deste país?
Sem medo das manifestações em contrário e, sem generalizar
naturalmente, afirmo que a morada do conservadorismo é a universidade, é
lá que se gesta esta sociedade conservadora e cheia de preconceitos, os
doutores com toda sua pompa e circunstância, tão preocupados com suas
pesquisas estão de costas para a sociedade.
Infelizmente nesta questão das cotas raciais o STF – esta instituição
decrépita– foi mais avançado que nossos intelectuais e conselhos
universitários. A universidade deve abrir a janela e deixar o sol bater,
pois, é ele o melhor detergente, permitindo o soerguimento de uma nova
consciência nacional
Ismael Cardoso é ex- presidente da Ubes e estudante de Ciências da Natureza da USP.
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