LUIZ GONZAGA |
O canto e a força do sertão nunca estiveram tão vivos
Luiz Gonzaga é conhecido como o cantor da seca nordestina e o locutor máximo dos passarinhos da região. Estes, puxados pela mais que emblemática “Asa Branca”, são excelentes mestres de cerimônia para introduzir a atmosfera árida de toda sua obra. Foi essa ave, por exemplo, que anunciou no longínquo 1947 o fenômeno demográfico já costurado pela estiagem e pela dura migração do sertanejo para o Sudeste.
E tinha razão. Essa migração foi relevante principalmente a partir da década de 1930, durante a Era Vargas, quando o número de migrantes nacionais superou o de imigrantes vindos de outros países. Em oposição a toda pujança do Sudeste, a região do Nordeste mantinha características arcaicas e provinciais: agricultura atrasada, economia estagnada, grandes latifundiários e uma assustadora concentração de renda.
A formação e migração pioneira do povo nordestino, representado por nove dos 27 estados do Brasil, permitiu a infiltração de sua cultura nas maiores metrópoles ou menores lugarejos. Gonzagão, nesse contexto, estabeleceu com o gogó e a sanfona a comunicação com quem mais lhe interessava: sua própria gente. Seu repertório conversava com quem vivia no sertão ou tinha saudade dele nos centros urbanos, com quem sabia de seca e do sofrimento, com quem amava pássaros, flores e bichos e se tornou migrante nordestino sem qualquer reconhecimento, à paulada de todo tipo de humilhação.
Porém, quase como um novo Antônio Conselheiro, o Rei do Baião também profetizou a “A Volta da Asa Branca”. A chegada e a partida da ave significam o início e o fim do período chuvoso, assim como a ida e o retorno dos retirantes a um novo nordeste. |
EU TI ASSEGURO NÃO CHORE NÃO VIU, QUE EU VOLTAREI VIU, MEU CORAÇÃO
Já na década de 1990, com a crise econômica, a saturação dos mercados das grandes cidades fez surgir o desemprego, a queda da qualidade da educação e a redução gradativa da renda. O sonho de muitos migrantes seguiu o caminho da seca.
Em compensação, muita coisa mudou nos últimos 10 anos. No chamado Grande Norte de Minas e no Nordeste brasileiro, os versos da Asa Branca ainda ecoam a realidade de muitas famílias. Por outro lado, devido ao aumento do poder aquisitivo do brasileiro e uma nova composição econômica do país, uma parcela grande de ex-refugiados da seca já faz o caminho de volta. Melhor: muitos que foram para o Sudeste e agora retornam para a terra natal usam suas economias para abrir o próprio negócio, fomentando a renda na região.
Segundo o IBGE, entre 2002 e 2007 mais de 400 mil nordestinos retornaram aos seus lares de origem. Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2009, também divulgados pelo IBGE, Pernambuco foi o estado nordestino com a maior taxa de retorno de migrantes, resgatando o orgulho de quem antes fugia da própria terra para garantir a sobrevivência.
“Não é que São Paulo e Rio de Janeiro (os principais destinos) tenham perdido em atrativos. Mas outras localidades começaram a ter investimentos que geraram empregos e passaram a segurar a população. É um fator positivo”, aponta o cientista social e professor da Universidade de São Paulo, Ilan Lapyda.
GONZAGÃO É A 8ª BIENAL DA UNE
Gonzagão foi a voz de um Nordeste não-emancipado, falando fundo a ouvintes iguais a ele – mais sertanejos ou mais urbanos, mais livres ou mais escravizados, mais desejosos de liberdade ou de amarras, mais ou menos independentes. Ouvi-lo no ano de seu centenário, nesse momento de fortalecimento das lutas populares no Brasil e da possibilidade de deslocamentos na pirâmide social do país é de arrepiar.
A Bienal da UNE, maior festival estudantil da América Latina, volta para o nordeste exatamente nesse contexto. A oitava edição do encontro retorna a Pernambuco, onde já foi realizado há 10 anos, regressando para as cidades de Recife e Olinda entre os próximos dias 22 e 26 de janeiro de 2013. O evento traz uma homenagem ao centenário do rei Gonzagão e o tema “A Volta da Asa Branca”.
A Bienal da UNE traz Gonzaga de volta a sua terra, cem anos após seu nascimento, para festejar com a juventude. Por meio da cultura e das vivências estudantis, a Bienal desenha uma nova região muito mais fértil e promissora, um lugar cada vez mais possível para o contra-êxodo da Asa Branca e para um recomeço do Brasil.
Patricia Blumberg-UNE
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