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quarta-feira, 21 de novembro de 2012

A meia-entrada para a inclusão social e o financiamento das lutas


A meia-entrada cultural se tornou um dos pontos mais polêmicos do Estatuto da Juventude, que tramita no Congresso Nacional mas, na verdade, é um debate que ronda o movimento estudantil pelo menos desde os anos 90.
Até então detentora do monopólio da emissão das carteirinhas que davam acesso ao direito de pagar metade do preço em eventos artísticos e esportivos, a UNE e a UBES, presididas por uma organização de esquerda, eram criticadas por cobrarem uma espécie de “imposto estudantil”, que levaria a um “aparelhamento” das entidades. Em 2002, o governo de Fernando Henrique Cardoso aprovou uma Medida Provisória permitindo que todo adolescente até 18 anos pagasse meia-entrada comprovando a idade e todo estudante também, provando seu vínculo educacional. A partir daí uma gama de “entidades” e “carteiras” estudantis surgiram, “democratizando” o benefício, mas enfraquecendo as entidades estudantis. Hoje a questão volta à tona.
Na nossa opinião, vale discutir o presente: em torno da MP,  a meia-entrada virou um lucrativo negócio complementar à própria indústria cultural que reclama do excesso de meia-entrada. Foi mais ou menos como o fenômeno dos CDs piratas. Primeiro, incentivados pelas gravadoras como forma de ampliar lucros e reduzir a rentabilidade dos artistas. Depois, um prejuízo incalculável quando a economia popular expandiu espantosamente a iniciativa como fonte de renda.
Enquanto setores da esquerda acreditam que travam uma disputa real sobre se a meia deve ser só para estudantes ou para todos os jovens, a direita, representante dos poderosos interesses empresariais do ramo artístico no Congresso Nacional, já demarcou suas fronteiras. Ninguém menos do que os então poderosos senadores Aloízio Nunes Ferreira (PSDB/SP) e Demóstenes Torres (DEM/GO) impuseram cotas para o exercício do direito neste estágio atual do projeto. Assim, em eventos com patrocínio público, 50% dos ingressos seriam reservados aos portadores de qualquer tipo de meia, seja pela renda, carteirinha ou vínculo escolar. Em eventos só com patrocínio privado, apenas 40% seriam reservados a este público. Ao definir este território para início de conversa, qualquer proposta alternativa está de partida derrotada, pois, seja como for, terão que se engalfinhar em torno deste percentual que sobra.
Há quem não se importe com o fato de que estudantes ricos e pobres por esta migalha, prejudicando, claro, os segundos, com menor poder aquisitivo, desde no próximo CONUNE ou CONUBES se possa cantar que tal força “contra o He-Man apoiou o Esqueleto”. Há ainda os que não vêem problema nesta competição selvagem acreditando que o enfraquecimento de uma entidade estudantil é sinônimo do enfraquecimento de uma força política, ainda que ela seja de esquerda, associada à rasteira ilusão de que, ali na frente, por causa disso, outro grupo poderia tomar a tal entidade de assalto.
Nossa opção é mais profunda.
Acreditamos que o mundo tal como é hoje deve ser girado, para que os de cima não fiquem para sempre em cima e, os de baixo, para sempre em baixo. Por isso, o enfrentamento com a direita é a prioridade e só pode obter sucesso juntando a esquerda e permitindo que o jovem ou estudante que precise pague meia, sem cotas, que, na verdade, são o capitalismo sem risco, com margem de lucro garantida.
Também achamos que apesar da grande mobilidade social vivida pelo Brasil desde 2003, que gerou a “classe C”, onde a maioria é jovem, esta ainda não é capaz de sustentar o projeto político de quem a gerou e, menos ainda, as transformações necessárias para libertá-la completamente dos grilhões que a prendem na alienação intelectual, política e cultural forjada em 500 anos. O povo brasileiro ainda precisa de centrais sindicais fortes, movimentos camponeses fortes e entidades estudantis fortes. UNE e UBES estiveram na linha da resistência em 2005 contra o golpe das elites e não é porque são “aparelhos” que apanham diariamente da velha mídia golpista. Nós, por isso, achamos que é estratégico fortalecê-las e financiá-las, construindo uma direção política plural, de esquerda, democrática e popular assim como a atual direção política do Governo Federal.
No caso da meia-entrada, nossa contradição é com as cotas e com o poder de bala das elites do ramo cultural,  que querem um movimento estudantil dividido para encontrarem pouca resistência na marcha  dos interesses privados contra os direitos públicos. Elites que não se importam com quem vai pagar meia, desde que seja 50% ou 40%.  O aspecto fundamental da contradição é saber que precisamos de entidades estudantis fortes para apoiar o aprofundamento das transformações sociais do Brasil.
Dada as condições concretas da luta de classes no Brasil, optamos por defender a meia-entrada para os estudantes, vinculada às carteirinhas da UNE e UBES, o financiamento da UNE e UBES pelas suas bases sociais, em detrimento dos mercadores que as enfraquecem vendendo direito para a estudantada. Na outra ponta, sustentamos a meia-entrada para o jovem de baixa renda que não estuda, até porque somos a favor da universalização plena da educação. Não obsta que, posteriormente, a UNE e UBES possam fazer um selo para prounistas, fiesistas e cotistas, assim como dialoguemos com o governo sobre o tema, com destaque para a Casa Civil, que é quem efetivamente decide, para convergirmos em torno de quem é esta “baixa renda”. Seriam as classes D e E do Instituto DataPopular ou da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência? Seria pelo DataSUS ou pelo Bolsa-Família? Este benefício seria tirado como as meias-passagens municipais, em pontos fixos?
Este é um debate para o futuro. Hoje, trata-se de derrotar o inimigo principal.
Angelo Raniere é 2º vice-presidente da UNE. Caio Pinheiro, vice-presidente da UBES. Ambos integram o movimento estudantil ParaTodos.
Fonte: UBES

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