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sábado, 5 de novembro de 2016

Ocupações como caixa de ressonância da resistência – Por Diogo Santos*

Vivemos um processo de involução civilizacional no Brasil. O núcleo desse processo é a radicalização do neoliberalismo e a chegada do neocolonialismo como forma de abrir nossas áreas de acumulação de capital forçando um novo ciclo de expansão capitalista para superar a crise corrente.
O outro lado dessa moeda é que temos que enfrentar esse cenário no momento de maior derrota da Esquerda brasileira desde 64. A ligação entre as classes populares e as organizações de Esquerda construída desde a redemocratização foi amplamente destruída, a ideologia das classes dominantes volta com força redobrada e renovada em vários aspectos da vida social. O Executivo Federal só possui compromissos com o capital financeiro e com o imperialismo. O capital produtivo nacional que apoiou o golpe se tornou, como era de se esperar, sócio menor do atual bloco no poder. Salvo algumas vitórias eleitorais pontuais (relevantes, mas pontais) da Esquerda, o quadro geral é de defensiva tática.
Como devemos nos orientar nessa conjuntura? As medidas de curto, médio e longo prazo se confundem, tronando difícil separar o que se deve fazer hoje do que deve ser feito amanhã. Talvez seja melhor pensar que o que decidimos fazer hoje é a matéria-prima do que poderá ser feito amanhã. Vale também considerar o conselho de Drummond para tempos difíceis: não nos afastemos muito / vamos de mãos dadas.
Urge ir ao encontro do povo. Como? Como for possível. Com amplitude e norteados pela defesa da Democracia e o combate às medidas do governo golpista. Mas com cabeça arejada para sermos capazes de sentir o que a massa tem a nos dizer e ensinar e assim construir novos métodos e conteúdo para dirigirmos a luta do povo. Não ficarmos presos às velhas formas ou velhos instrumentos enferrujados e muito menos nos autoproclamarmos os representantes natos do povo.
As contradições do capitalismo periférico nas grandes cidades se aguçaram durante o ciclo de ascensão social dos governos Lula e Dilma. Outras forças políticas têm obtido resultados positivos ao organizarem os setores mais pobres classes populares de algumas dessas cidades. Não seria esse um caminho a ser testado, agregando a nova classe trabalhadora? Apesar de fundamentais, não devemos nos restringir aos estratos superiores da classe operária, esses são minoria nos países subdesenvolvidos – ainda mais na etapa neoliberal do capitalismo – e, portanto, podem vir a ser força dirigente se conseguirmos atualizar a prática teórica e política do movimento sindical à nova composição da classe que busca representar, mas dificilmente serão a força principal do conjunto das classes populares na atualidade. Quem será a força principal? Há de se construir na prática a resposta a essa pergunta.
Dito tudo isso, qual o papel do atual movimento de ocupações dos estudantes? É tempo de Resistência e o inimigo está muito poderoso. Não podemos dispersar energias, é verdade, mas, nem tão pouco podemos desperdiçar oportunidades. Julgo que a luta dos estudantes é uma boa oportunidade para falarmos com o povo.
A Resistência Democrática pode entrar em uma nova fase a partir das ocupações estudantis, especialmente as secundaristas. Por que? Porque a crescente Resistência desde 2015 logrou aglutinar os setores médios: classe média progressista, artistas e intelectuais. Contudo, a blindagem sobre as classes populares ainda não foi quebrada. Já os estudantes ocupados são os filhos dos trabalhadores e as escolas ocupadas estão nos bairros onde moram os trabalhadores. Ou seja, é um movimento contrário às medidas do governo Temer constituído por membros das classes populares.
A composição de classe das ocupações e sua territorialidade permite que se expanda o alcance social do movimento, atingindo diretamente parcelas dos trabalhadores e classes populares em geral. Só em Minas existem 128 escolas, universidades e IFET’s ocupados com forte tendência de crescimento na semana pós ENEM. Suponhamos que cada instituição tenha em média 300 estudantes. Então, são 38.400 estudantes envolvidos na temática da ocupação, ocupados ou não, a favor ou não da ocupação. Soma-se a esse número os pais e responsáveis por esses estudantes, professores e técnicos administrativos. Enfim o que defendo é que é preciso e possível fazer a crítica dos estudantes à PEC 241 e à MP 746 ressoar para além das escolas. Por exemplo? Organizando panfletagens de porta em porta nos bairros das escolas ocupadas.
Outra característica do movimento das ocupações que o faz uma boa oportunidade é a pauta que o norteia: o combate à Medida Provisória 746 (Escola sem partido) e a PEC 241. Esta última é o núcleo das medidas do governo Temer para ser aceito pela alta finança e possui um elevadíssimo impacto sobre o tipo de Estado que o país terá, com amplas consequências sobre a vida do povo.
De fato, a crise política instalada no país com a imposição de um programa ultra neoliberal por um governo ilegítimo gera objetivamente uma possibilidade de elevar a politização da massa. Ou seja, o tipo da crise em curso promove as condições objetivas para uma elevação da consciência política do povo. Claro que é preciso vencer o ópio ministrado pela imprensa burguesa, mas é exatamente o tipo de crise em curso que nos fornece um caminho para atingir os corações e mentes do povo.
Ressaltamos aqui a tarefa da reconstrução do vínculo com as classes populares e a oportunidade de perseguirmos esse objetivo oriunda do movimento de ocupação dos estudantes. Mas claro que somente colocar o povo em luta não é suficiente, isso é o que pensa o esquerdismo. É preciso abrir caminho no campo inimigo, tentar atrair setores que apoiaram o golpe, sobretudo no Congresso Nacional. É preciso encontrar a melhor forma de organizar o campo democrático para esta conjuntura, se através de uma Frente Ampla, por exemplo.
Voltando ao poeta, pode mesmo ser que muitos de nós estejamos taciturnos, mas devemos todos nutrir grandes esperanças.
* Diogo Santos é economista formado pelo UFMG e secretário de Juventude do PCdoB-Minas

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