Em entrevista à UBES, o desembargador José Cezar disse que o debate da redução serve para tirar a atenção da sociedade sobre políticas sérias contra a violência. |
Recentemente, o Instituto Datafolha publicou pesquisa indicando que o apoio à redução da maioridade penal no Brasil para crimes em geral ainda é grande. Apesar do total de pessoas favoráveis ter diminuído de 2015 para 2017 (de 87% para 84%), ainda é a ampla a maioria que declara apoiar essa medida.
Especialistas alertam para esse cenário. “Não tenho dúvidas de que a maioria da população opina por essa solução por total desconhecimento das situações que envolvem adolescentes e maiores imputáveis, quando envolvidos em crimes”, afirma o desembargador José Antônio Daltoé Cezar, vice-presidente da Abraminj (Associação Brasileira de Magistrados da Infância e da Juventude).
“O Brasil nunca discutiu seriamente uma política de segurança pública, daí porque nossa legislação está coberta por teorias acadêmicas, princípios do direito, os quais quase nunca se amoldam à realidade em que vivemos. Buscam soluções em outros países, totalmente diferentes do Brasil, em vez de buscar uma política que pelo menos se aproximem de nossa realidade”, acrescenta Cezar.
Confira, abaixo, a entrevista da UBES com o desembargador a respeito desse tema.
UBES: O sr. acha que a redução da maioridade penal para 16 anos resolve a questão da segurança pública?
José Cezar: Uma expectativa que já nasce morta, a de que rebaixando a idade penal, a segurança pública irá melhorar. Conheço bem os dois sistemas, pois fui juiz da infância durante muitos anos, e no TJ, fiquei na área criminal por quase cinco anos e meio (desde dezembro passado estou classificado na família e infância e juventude, pois nosso TJ é bem especializado em todas as matérias). O sistema dos adolescentes, longe de ser bom, é em muitos casos muito ruim, mas é bem superior em qualidade aos dos adultos.
UBES: O sr. acha correta a impressão da população de que o sistema penal funciona melhor do que o sistema socioeducativo?
J. C.: As pessoas não percebem que cada vez mais a legislação dos adultos trata de aumentar benefícios aos condenados, diminuir as penas ou mesmo isentar os criminosos de seus cumprimentos. Vide os casos de José Dirceu, Roberto Jéferson, Marcelo Odebrecht. Pelos tamanhos de suas condenações, quanto efetivamente cumpriram em regime fechado (o único que efetivamente é cumprido com privação de liberdade?).
Aqui em Porto Alegre, quem é condenado, por exemplo, por roubo a mão armada, em concurso de agentes, e cuja condenação se aproxima dos seis anos de reclusão, recebe uma tornozeleira e vai para casa, por falta de vagas no regime semiaberto.
Isso não acontece com os adolescentes. Suas avaliações pessoais são mais individualizadas, suas condições pessoais, inclusive subjetivas, são aferidas com mais cuidado, para só após ser avaliada a progressão de regime.
Qual a razão para colocarmos adolescentes em um regime de privação de liberdade muito pior do que aquele que atualmente recebem? Não tenho dúvidas, enrolar a população, deixando de fazer o debate necessário sobre segurança pública.
Questiono:
A lei de execução penal, feita há aproximadamente 30 anos, com regimes aberto, semiaberto e fechado, deu certo? Ela foi feita para aplicação em um país como o Brasil? Pesquisas sobre as necessidades da população brasileira, nessa área, foram realizadas? Não atendeu somente às teorias acadêmicas?
UBES: Como tratar a punição de crimes mais graves cometidos por adolescentes sem ter que reduzir a maioridade penal?
J. C.: Esse debate, caso realizado com seriedade, pode discutir sim sobre o aumento do período de internação, para determinados crimes, como latrocínio e homicídio qualificado. Mas, tem que ser sério. Um adulto que comete uma tentativa de latrocínio, pegando dez anos de reclusão, caso seja primário, terá progressão com 2/5 cumpridos da pena (isso por causa da lei dos crimes hediondos). Não vejo nenhuma razão para mudar, no momento.
Fonte: UBES
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