Confira a entrevista com Camila Achutti, do blog Mulheres na Computação |
Camila Achutti tem 22 anos e mantém há 4 anos o Blog Mulheres na Computação (http://mulheresnacomputacao.com/about/) Entusiasma e falante, a paulista é uma das diretoras do Technovation Challenge Brasil, um desafio de tecnologia e empreendedorismo para meninas que já acontece nos EUA e agora no Brasil. É uma competição entre estudantes do ensino fundamental, médio e universitário que tem como objetivo inspirar meninas a se tornarem mais do que usuárias de tecnologia. Em março deste ano foi capa da Revista Info e prova todos dos dias desde o início da faculdade que computação é sim, lugar para menina. Ela é a terceira entrevistada da coluna e bateu um papo bacana com a gente. Confira!
INSPIRAÇÃO
‘Eu cresci com meu pai ditando códigos pelo telefone e a minha sensação era de uma língua mágica que só pessoas especiais sabiam e resolviam os problemas do mundo. Eu sabia que eu queria programar”, conta.
Apesar da convicção ela afirma que nunca soube ao certo a diferença entre as carreiras da área de tecnologia, e meio na sorte “sem saber onde estava se metendo” acabou indo para Ciências da Computação.
Camila foi a única mulher formanda de dezembro de 2013 entre os 27 alunos de Ciência da Computação da maior universidade do país, a Universidade de São Paulo (USP). Ela afirma que isso a acompanhou a vida toda. O primeiro dia de aula foi em um emblemático 08 de março, dia da mulher. “Entrei na sala e tinha um professor na lousa, projetando um terminal e todos estavam entendendo tudo. Eu pensei, nossa eu não faço ideia do que ele tá falando. Olhei e não vi nenhuma menina a minha volta, e tive aquela sensação de não pertencer mesmo”, lembra.
“Fui pra casa triste, é uma das coisas que acho que acompanha as meninas, apesar da gente ter interesses [na área], sempre gostei de programação e tecnologia porque meu pai trabalhava com isso. Mas não fui fazer um curso técnico, ninguém nunca falou isso pra mim. Não comecei a estudar antes, ao contrário da maioria dos meninos da minha turma, já tinha feito técnico ou estudado por conta própria”, explicou.
Já no primeiro dia de aula ela lançou o blog Mulheres na Computação, sem grandes pretensões. O crescimento foi rápido, faltava referências femininas na área. “Comecei a escrever como eu tava processando as coisas que tinha que estudar, numa linguagem minha, e aí foi virando uma comunidade, a gente fez uma página no facebook e começou a trocar.” O blog deu certo, a página no facebook hoje tem 7 mil curtidas e só cresce.
ENGAJAMENTO
Camila fez a graduação no tempo normal em 4 anos . Aplicada e fã de esportes, ela participou de tudo que a vida acadêmica podia oferecer. “Fazia tudo, desde atividade com o CA, debate sobre feminismo, até jogar vôlei e basquete pela faculdade duas horas por dia, treino super pesado, 6 x por semana. E nunca me atrapalhou só me fez bem”, ressalta.
A partir do 3º ano ela começou a fazer estágio. Depois disso foi desenvolver pesquisas com bolsa Fapesf, participou de uma pesquisa com software de missão espacial, que acabou virando tema do o TCC.
E durante todos os anos participou ainda dos programas da faculdade que destinam recursos financeiros para a participação de alunos em eventos ou atividades acadêmicas no exterior e no Brasil. “Com isso viajei bastante, sempre gostei de viajar, mas nunca tive muito dinheiro, fui pros EUA algumas vezes, para a Rússia, eu aproveitei bastante. Durante toda a graduação, foi muito legal, aprendi para caramba, me abriu um monte de portas”, afirma.
FEMINISMO
E essa disposição toda na academia foi para mostrar serviço, que era capaz? “Eu brinco que se o servidor do meu trabalho cai, não é a Camila é ruim são as mulheres que não boas nisso mesmo. Quando um homem bate o carro é porque o Joãozinho que é ruim. Quando uma mulher bate o carro, não é porque AQUELA não dirige bem, mas é que as mulheres não são boas nisso. Eu acho que sentia essa pressão, que para chegar onde os meninos da minha turma estavam eu tinha que correr muito mais rápido”, conta.
Camila destaca que muitas meninas acabam desistindo, o índice de evasão das mulheres nessa área no primeiro ano é de 79%. “Um dos motivos das meninas dessa área desistirem é muito isso, é tudo novo. Foi bem difícil o meu primeiro ano, porque eu estava me acostumando com um jeito novo de pensar, uma nova linguagem, lógica, que para eles já era conhecida. Era tipo ‘você tá estudando isso, essa coisa fácil, para essa prova? Que bizarra’”.
Apesar disso ela afirma que a convivência com os meninos de turma era bacana. Sofreu machismo, mas reagiu com firmeza e nunca mais teve problemas. “Hoje eles me marcam em todos os artigos feministas, tudo que fala de tecnologia e mulheres, eles superapoiam. Acho que é um pouco de falta de enxergar a real dimensão de uma piada para quem é minoria”.
E continua: “Lá no IME – Instituto de Matemática e Estatística da USP – ser menina é como andar com um holofote na cabeça para o bem e para o mal, mas eu levei para o lado bom.”
CARREIRA
Depois de três anos de blog e estágio Camila começou a procurar outros caminhos e surgiu o Technovation Challenge. Para mobilizar a participação das estudantes no desafio, a equipe visita escolas e desenvolve aplicativos com as alunas. “Elas começaram a perceber que podiam, que eram capazes, e que podiam dominar o mundo! rs”, conta entusiasmada.
A próxima edição deve começar em fevereiro a abril de 2015.
Apesar da competição se estender ao ensino fundamental e universitário, o foco ainda é ensino médio. “Porque a gente acredita que é nessa fase que as meninas estão procurando carreira, ainda um pouco perdida, sem saber o que fazer. Mas é muito importante que elas comecem desde cedo, explica.
Camila tinha certeza que seguiria a carreira acadêmica e faria mestrado – o que acontece com a maioria das meninas que entram na área, por ser menos competitivo que o mercado, engenheiras de software ainda são pouquíssimas também. Mas em novembro antes de acabar a faculdade ela recebeu um convite do Google para um estágio na Califórnia.
Estavam recrutando estudantes mulheres nas universidades da América latina, acharam o currículo dela na internet. “No início de dezembro fui morar lá, estagiei na repartição de educação e foi lá que enxerguei isso como oportunidade de trabalho. Pensei gosto de estudar, mas quero trabalhar com educação”, recordou.
Atualmente ela é Engenheira de Software na Iridescent, uma organização sem fins lucrativos dedicada à ciência e à educação em engenharia, e é influenciadora digital, fazendo vídeos e gerando conteúdo educativo na Faculdade de Informática e Administração Paulista (FIAP). “Só o fato de ter uma menina falando de tecnologia, sem necessariamente estar advogando na causa – que eu normalmente advogo e é uma causa – mostra que [tecnologia] também é para elas e ajuda muito”, afirma.
AVANÇO DA TECNOLOGIA E OPORTUNIDADES
Para a engenheira não adianta simplesmente aumentar vagas no Ensino Técnico e Superior na área de tecnologia sem estimular as meninas. “Eu sou otimista acho que a tecnologia vai ficar tão essencial que será tipo como estudar inglês. Acho que as mulheres estão ficadas mais ligadas nisso naturalmente, mas acho que a gente pode catalisar esse processo e judiar menos das meninas que estão nessa linha”, ressalta.
Ela afirma que as oportunidades são infinitas e que recebe propostas de trabalho todos os dias. Os salários são altos e bons. “É uma carreira que favorece o dia a dia da mulher que você consegue trabalho remoto se quiser, cuidar dos filhos. Acho que é um mercado quentíssimo, o déficit de vagas é em torno meio milhão de vagas para os próximos anos no Brasil. Se você tem um mínimo de vontade de exatas, não tem porque não tentar. E é muito legal, você ver uma coisa no papel e fazê-la funcionar, e afetar a vida de milhares de pessoas sem sair de casa. Isso me faz todo dia feliz e não tem preço”.
Cristiane Tada - UBES
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