Homem de fala baixa, Celso Amorim conquista os ouvintes ao seu redor pela simplicidade. Embora seja considerado por alguns analistas como um dos melhores chanceleres do mundo, o ex-ministro das Relações Exteriores tem discurso de fácil entendimento sobre conjuntura internacional, ao mesmo tempo em que destila comentários ácidos contrários a uma suposta submissão a países como Estados Unidos e fala com seriedade sobre a importância da paz mundial e o papel que o Brasil joga nessa questão.
Pouco antes de participar no sábado do 59º Conselho Nacional de Entidades Gerais, Amorim recebeu diretores da UNE para um almoço servido de bom bate papo. Falou sobre os avanços na política externa, a delicadeza ao se tratar de temas como os conflitos nos países do Oriente Médio e África, alem de relembrar alguns momentos de quando participou do Centro Popular de Cultura, o CPC da UNE.
Já conhecido por seu gosto pelo cinema, Amorim disse que fez assistência de direção para um dos episódios do clássico filme 5x Favela, obra prima criada por cineastas do CPC. “Mas ultimamente fiquei triste ao assistir uma cópia remasterizada do filme e não ver mais o meu nome lá. Não sei o que aconteceu”, brincou, dando início à sua participação na Conferência Especial sobre Política Internacional do 59º CONEG. “Também fui da Associação Municipal dos Estudantes do Rio de Janeiro [Ames-RJ] e sofri com o incêndio da sede na Praia do Flamengo logo nos primeiros dias do golpe militar”, completou, brincando mais uma vez que, depois da recepção calorosa que teve dos estudantes no teatro da Unip, iria fazer vestibular novamente para poder militar na UNE.
“A vinda de um chanceler aqui nesse encontro do movimento estudantil reflete o amadurecimento da população brasileira a respeito dos temas internacionais. Reflete também o destaque que política externa teve no governo Lula”, pontuou.
Paz, integração sul americana e crise econômica
Em um discurso que foi pontuado em diversos momentos pela defesa da autonomia dos povos, Amorim disse que “a paz é como o ar e a liberdade, você só perceba que ela é importante quando está em falta”. Para ele, o Brasil, por sua representatividade e importância, deve ter como uma das prioridades trabalhar pela paz, um “processo que tem que ser construído como uma contribuição para o desenvolvimento dos países”
Para Amorim, um dos maiores trunfos do Brasil é viver em paz com seus vizinhos. Ele coloca a integração da América do Sul como mais viável e o que permite de alguma forma o desenvolvimento equilibrado da região. Mas destaca a coragem do Brasil em desenvolver relações também com outras nações, como Índia e a África do Sul (“Dois países com muitos problemas parecidos”), mesmo sofrendo críticas por isso.
“Quando fomos ao Irã ou realizamos uma reunião com os países do Caribe na Costa do Sauípe, na Bahia, fomos alvos. Uma parte da mídia, dos ideólogos queriam que nós tivéssemos medo porque isso faz parte de um estado de dependência que eles querem que a gente tenha. Por que temos que pedir licença para os Estados Unidos para negociar?”, questionou.
“Se tem uma palavra que eu poderia dizer é presença. O Brasil se fez presente no Oriente Médio, na África e outras regiões. O Brasil tem um comércio muito diversificado com outros países e resistiu à grande crise porque não dependia de um só país. Fortalecemos o mercado interno, distribuímos renda e diversificamos as relações internacionais. Nos preparamos para uma situação em que não tivemos a dependência de um só mercado. Isso tudo é fruto, posso dizer, que da nossa coragem. Por que o Brasil tem que ser pequeno e porque temos que fazer só aquilo que eles querem que a gente faça? A gente não pode nem fazer a mesma coisa que o estados unidos. Temos que fazer menos. Por isso, destaco hoje a importância da auto-estima brasileira”, disparou, sendo aplaudido pelos estudantes.
“O Brasil se dedicou muito à America do Sul. Temos muitas razões para isso, econômicas, culturais, estruturais... E, claro, é muito importante para podermos dialogar em conjunto com os grandes blocos internacionais. A união estrutural que estamos conseguindo fazer tem 150 anos de atraso se comparado a outros regiões”, disse.
Doha, marco da política externa brasileira
O chanceler disse que um marco, um fato que é determinante e que demonstrou que o Brasil não estava brincado de política externa foi a reunião ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC) em Cancun, em 2003, quando o país, trabalhando em conjunto com a Índia e outras nações, criando o G-20, “teve a coragem de dizer não” aos subsídios agrícolas praticados, principalmente, pelos Estados Unidos e União Européia. “Tivemos a capacidade de articulação de outros países em desenvolvimento que também disseram não. E conseguimos também fazer proposta”. Isso foi inédito e um marco”, pontuou Amorim.
Israel e Palestina
O ex-ministro finalizou a conferencia com uma reflexão sobre o principal conflito mundial da atualidade, que na sua visão pode ter participação do Brasil em sua mediação. “O mundo está passando por grandes mudanças. O primeiro fato foi a crise. Os recentes casos no Oriente Médio terão implicações globais e vão se estender a outros países. O impacto será muito grande para a questão central dos conflitos mundiais, que é Israel e a Palestina. O Brasil é um pais que pode participar e pode ajudar. As outras nações sempre usam a força militar. O Brasil é conhecido por seu dialogo e capacidade de negociação”, concluiu.
Rafael Minoro
Fotos: Alexandre Rezende
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