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domingo, 24 de junho de 2018

Ditadura nunca mais: por quê?

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A história brasileira é marcada por longos períodos de exceção vividos sob ditaduras civis-militares e por breves períodos democráticos. O atual período democrático é o mais duradouro e consistente. Ele sucede, não esqueçamos, a recente ditadura civil-militar que emudeceu o Brasil por 20 anos, de 1º de abril de 1964 a 1985.
Mas, por que ditadura nunca mais? O que cabe a uma democracia que sucede a uma ditadura? Estas não são perguntas. São questões. Por isso, queremos menos responder a elas e mais ajudar a refletir sobre elas.
Ditaduras são formas de organização da vida política que impedem a liberdade, escondem a verdade e obscurecem a memória, comprometendo a justiça. Elas nascem como forma de fazer com que os interesses de grupos se imponham à vontade do conjunto da sociedade. Ditaduras só servem a quem é parte do poder por elas constituído e a quem a ele se alia ou a ele se submete. Não servem ao povo. A rápida descrição parece ser suficiente para ajudar a refletir e a tomar uma posição definitiva: ditadura, nunca!
O povo brasileiro sabe o que significou a ditadura militar nas suas vidas. Famílias que perderam seus filhos ainda esperam para enterrá-los. Pessoas que foram torturadas ainda esperam para poder dizer quem foram seus algozes. Vozes ainda têm dificuldade de dizer com força o que pensam por terem medo de serem reprimidas. A tortura segue sendo prática sistemática em delegacias e presídios Esta é a herança da ditadura. Vítimas que sofreram e ainda sofrem a injustiça, que ainda esperam pela possibilidade de dizer sua palavra e ver a verdade proclamada. Vítimas que ainda esperam por justiça.
Aqui já começamos a enfrentar a segunda questão. Uma das tarefas da democracia é exatamente abrir os arquivos, sejam eles quais forem, estejam eles onde estiverem, e permitir que cada um possa dizer a sua palavra. Abrir um debate público sobre o sentido da história para construir a verdade histórica como expressão da memória coletiva e criar condições para que a justiça ética às vítimas seja feita, não como vingança, mas como reparação, são desafios à democracia. Por isso, só se consolida a democracia se forem criadas condições para que a verdade seja obra da sociedade e que a justiça seja efetiva vida de cada uma e de todas as pessoas. Sem isso, qualquer democracia será uma democracia pela metade. E democracia
pela metade não é democracia!

A democracia é preferível a qualquer ditadura não por outro motivo senão porque permite que memória e verdade sejam constitutivas da justiça como realização de condições para a efetivação da dignidade humana. A justiça exige o reconhecimento das injustiças e de suas vítimas, que sofreram a injustiça. Sem isso, a justiça é vazia. Mas, sem que as próprias vítimas possam dizer sua palavra, sua verdade, recorrendo à memória dos fatos que as levaram à situação de vitimização, não há justiça. O querer justiça como memória e verdade das vítimas é um direito das próprias vítimas, mas não só, ele também é de todos os seres humanos, até porque esta é a forma efetiva de engajar a todos/as para que não sejam produzidas novas vítimas. Por isso, o direito à memória, à verdade e à justiça se constitui num dos direitos humanos mais basilares das sociedades democráticas. O nunca mais a todo e qualquer tipo de violação de direitos, a todo tipo situação que produz vitimas, a todo tipo de inviabilização do humano, é a expressão positiva do querer um mundo justo e humanizado para todas e cada uma das pessoas.
Por isso faz sentido a Comissão Nacional da Verdade, criada pela Lei nº 12.528, de 18/11/2011. Ela poderá ser um espaço capaz para construir a verdadeira verdade sobre o período da ditadura civil-militar brasileira e, por outro, para desconstruir algumas das verdades repetidas – nem tão verdadeiras assim – pelos que têm pavor de verdades que não sejam as deles próprios. Ela não terá alcance para fechar o tripé, pois dela não se poderá esperar justiça. Mas, se ela for capaz de produzir verdades com base na memória das vítimas, certamente abrirá caminho para que venha também a justiça. Por isso, ela é um grande recurso para que a democracia gere condições a fim de que, em uníssono, a sociedade brasileira diga: ditadura, nunca mais! Democracia, sempre, e com direitos humanos!
Paulo César Carbonari
Doutorando em filosofia (Unisinos), professor de filosofia no IFIBE, ativista de direitos humanos (MNDH/CDHPF).

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