Juan Delval
Professor da Cátedra de Psicologia Evolutiva e da Educação da Universidade de Madri.
>> Como se constrói o conhecimento?
JD>> O conhecimento é uma forma de controle do mundo, uma forma de sobrevivência. Ele é construído por meio da ação, da atividade do próprio sujeito. O papel da escola é ajudar nessa construção, o que nem sempre é feito de forma adequada. A maioria das escolas que conhecemos ainda parte da idéia antiga de que algumas pessoas têm conhecimento e o transmitem a outros. Isso não é certo: o conhecimento tem de ser construído pelo sujeito.
>> O que precisa ser mudado nas escolas?
JD>> Elas devem ser mais ativas, mais participativas. Costumo dizer que precisam promover uma mudança em três pontos fundamentais: nos conteúdos, na forma de organização e na função do professor. Falemos primeiro sobre os conteúdos. Estudo há mais de dez anos os mecanismos pelos quais as crianças formam as idéias sobre o mundo em que vivem. Percebi que, desde pequenas, elas fazem perguntas a si mesmas sobre os mais diversos assuntos, da ciência à economia. A escola deve partir exatamente daí, dessas perguntas que os alunos fazem a si mesmo. A escola deve converter essas questões em problemas científicos. Mas o que faz normalmente? Justamente o contrário: parte de assuntos complexos e distantes, como escravidão ou Revolução Industrial. São problemas com os quais a criança ainda não se preocupa e que não lhe servem de nada. Por isso muitas vezes ela não sente prazer em ir à aula.
>> Como saber o que é relevante ser trabalhado em sala?
JD>> Há muitos estudos no mundo todo sobre quais são os interesses das crianças. E, ao mesmo tempo, pesquisas sobre quais as dificuldades que elas têm para compreender os fenômenos que lhes despertam curiosidade. Isso tudo pode servir de referência para o professor. Além disso, ele pode também questionar a turma sobre os seus interesses. Garanto que, muitas vezes, vai ouvir coisas que não esperava. Na minha pesquisa mais recente, estudo a idéia que as crianças têm sobre o mundo econômico. Depois de muitas conversas, percebi que elas querem saber de onde vêm as mercadorias, como funciona o comércio, de onde vem o dinheiro... É partindo desses questionamentos que podemos construir um currículo mais adaptado aos interesses reais das crianças.
>> A segunda mudança que o senhor propõe refere-se à organização da escola. O que precisa mudar?
JD>> A escola tem de estreitar os vínculos com os meios sociais onde está situada. Tem de servir como um centro cultural, ficar aberta à comunidade o tempo todo. Além disso, deve contar com a participação dos pais e das diferentes pessoas da comunidade que possam contribuir com sua experiência. Porque todas as pessoas têm uma experiência que, bem organizada, pode servir ao aprendizado das crianças. A escola deveria ser uma espécie de centro que reunisse e organizasse todas essas iniciativas que contribuem para o conhecimento, um laboratório onde os alunos aprendessem a analisar o mundo e não um lugar de transmissão de conhecimentos ou de valores - o que já é feito pela televisão.
>> A televisão mudou alguma coisa na vida na escola?
JD>> A TV é um meio muito poderoso que provoca uma "aparência de aprendizagem". Ela passa valores e informações, mas não ajuda no processo de análise de problemas, porque isso tem de ser feito com base em problemas reais. Uma das coisas que a criança tem de aprender na escola é justamente a analisar esse meio e refletir sobre ele.
>> O professor tem uma grande dificuldade de trabalhar com valores. Por que isso acontece?
JD>> Porque os valores, assim como o conhecimento, devem ser formados pelos sujeitos. Não podem ser transmitidos. O professor pode ajudar, fazendo os alunos refletirem sobre os valores que aparecem na solução de um problema e analisando situações concretas, que acontecem todos os dias na escola ou que aparecem na mídia. É claro que, sozinha, a escola não vai conseguir mudar o comportamento dos jovens, mas pode contribuir despertando neles uma maior consciência.
>> A escola está preparada para atender às demandas sociais?
JD>> Não, está ainda muito vinculada ao passado. Precisa se voltar para o futuro. E para isso é preciso investir principalmente nos professores.
>> E qual o papel dos professores nessa nova organização?
JD>> Esse era o meu terceiro ponto. Ensinar é uma utopia, pois não é o mestre que ensina, mas o aluno que aprende. Diante disso, o professor tem de ser um animador, um facilitador. Precisa de uma grande sensibilidade para perceber as dificuldades e contradições que as crianças estão encontrando quando realizam alguma atividade e trabalhar esses problemas. E, além disso, precisa ter consciência de que ele é um modelo que será seguido pela turma. Por isso digo que a formação dos docentes deve mudar, enfatizar a forma de ensinar e não mais o conteúdo.
>> O senhor fala muito sobre a importância do "aprender a aprender". Como esse processo se dá efetivamente?
JD>> É simples: resolvendo problemas. Na vida cotidiana, nós aprendemos quando temos algum problema para solucionar.
É quando o carro quebra ou quando o namorado não responde que você passa a pensar sobre essas coisas. Na escola, as crianças trazem problemas também. A habilidade do professor está em transformar essas perguntas que podem ser muito ingênuas em problemas mais complexos. Quando as questões não surgirem, ele deve provocar os alunos com aquilo que achar relevante ("Como vocês pensam que o leite chega até a loja?", por exemplo), para ouvir as idéias que surgem.
>> Qual a relação entre Educação e Democracia, tema de sua palestra nesse evento?
JD>> Uma educação democrática faz um país democrático. A escola é uma microsociedade onde se reproduzem muitos dos problemas do mundo aqui fora. Por isso, para estudar a democracia é bem mais interessante partir do que acontece no interior da escola do que analisar a Constituição, que é algo muito mais distante. Por isso insisto numa escola mais democrática, na qual os alunos participem ativamente, criando normas para o funcionamento da sala, entrando em contato com as sanções que eles mesmos impuseram. Refletir sobre o que acontece na escola é uma das coisas mais necessárias para que a criança compreenda o mundo social em que vive.
(por Priscila Ramalho) - Fonte: Centro de Referência em Educação "Mário Covas"
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