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quinta-feira, 7 de setembro de 2017

A luta de classes e o combate às opressões – Por Caio Botelho

trabalhadoras

O mundo muda. E consequentemente também se alteram as condições em que se desenvolvem a luta por um mundo melhor. Questões novas, inexistentes ou ignoradas anteriormente, são postas no centro do debate – e, quando isso ocorre, não adianta fingir que elas não existem ou buscar respondê-las com a mera reprodução de dogmas. Do mesmo modo, ignorar um acúmulo teórico e prático de uma luta secular pela emancipação da humanidade também não é a forma mais aconselhável de lidar com essas realidades. É o caso do atual debate sobre a interseccionalidade entre a luta de classes, de gênero e de raça. Há polêmicas, algumas saudáveis, sobre como – e se – elas se relacionam.
Pretendemos, nesse artigo, oferecer alguns elementos para contribuir com esse debate. Entretanto, nem de longe buscamos apresentar respostas pretensamente definitivas (é altamente recomendável suspeitar de quem se propõe a isso). Um assunto de tamanha complexidade não se resolve com fórmulas prontas e frases de efeito.
Por questão de honestidade, é importante deixar claro: a perspectiva que se adota nessas linhas é a do socialismo científico, marxista. A (falsa) neutralidade reivindicada por uns ou outros não encontra espaço aqui, onde existe um lado bem definido. O que não nos impede de buscar (e esse é o intento principal) relacionar o marxismo com a realidade de nosso tempo: do Brasil e do mundo do Século XXI.
“Aos fundamentos!”
Telê Santana foi um dos maiores treinadores da história do futebol brasileiro. Reza a lenda que, sempre que via seu time seu cometer erros infantis, exclamava: “voltemos aos fundamentos!”. No futebol, fundamentos são o passe, finalização, cruzamento, drible, desarme, lançamento, etc., sem os quais é impossível um time jogar bem e vencer uma partida.
Na teoria revolucionária, os fundamentos são as obras originais de Karl Marx e Friedrich Engels, dentre outros autores. Conceitos – alguns bem básicos – que mesmo o mais experiente dos marxistas deve revisitar de tempos em tempos. Se deixarmos de lado essas bases teóricas, a prática fica torta, desvinculada da realidade, e os revolucionários acabam derrotados. E para tratar do tema que nos propomos, voltar a alguns dos fundamentos do marxismo é imprescindível.
Como sabemos, o capitalismo é um modo de produção onde as relações sociais são assentadas na exploração. Ou seja, uma minoria (a burguesia) detém os meios de produção (matéria prima e instrumentos de trabalho), enquanto a maioria (o proletariado, ou simplesmente classe trabalhadora) é obrigada a vender sua força de trabalho para garantir seu sustento. Essa é a contradição central desse sistema. Nesse modelo de sociedade, a minoria sempre vai buscar manter seus privilégios, enquanto a maioria vai lutar pelo fim da exploração e da dominação – a isso damos o nome de luta de classes.
Marx e Engels defendiam a ideia de que, para mudar a fundo uma sociedade, é preciso alterar as relações econômicas predominantes em seu seio. Ou seja, para que a exploração deixe de existir, é preciso que a classe trabalhadora alcance o poder político e socialize os meios de produção, que deixarão de pertencer a uma minoria e passarão a serem coletivos, destinados, portanto, ao bem estar de todos.
Óbvio que estamos a simplificar conceitos que são bem mais complexos, mas o objetivo que pretendemos cumprir é o de destacar a tese de que transformações profundas, radicais, são produzidas por meio da luta de classes. Sem ela, as mudanças deixam de ter um caráter efetivamente transformador – no máximo, podem conquistar avanços pontuais (cuja importância não deve ser ignorada).
Porém, nossa luta não é para diminuir a exploração, mas para acabar com ela. E isso só pode ocorrer com o fim do próprio capitalismo, feito que – repetimos – será obra da classe trabalhadora compreendida em seu conjunto.
Mas a classe não é homogênea
Entretanto, tanto a burguesia quanto a classe trabalhadora possuem suas diferenças e contradições internas. Marx, Engels, Lênin e outros próceres do socialismo científico, longe de ignorar tais condições (como alguns, por desconhecimento ou desonestidade acusam) as reconheciam e compreendiam que elas deviam ser estudadas.
Vejamos um exemplo concreto: a burguesia vinculada ao setor industrial não poucas vezes entra em conflito com a burguesia financeira com relação à política de juros. Grosso modo, aos primeiros interessa juros baixos, enquanto que, para a turma dos bancos, quanto mais altos forem os juros, melhor (registre-se que, mais uma vez, estamos a simplificar o fato para facilitar o entendimento do que se pretende expor).
Em algumas circunstâncias esses conflitos no seio da burguesia podem tomar grandes proporções (e a classe trabalhadora deve ter inteligência de explorá-las), mas com uma condição: quando estiver em jogo a sobrevivência do capitalismo, sistema do qual eles dependem para continuar a espoliar os trabalhadores, a burguesia rapidamente deixa de lado suas contradições e se une para enfrentar o proletariado.
Tal como a burguesia, a classe trabalhadora também não é homogênea. E há que se destacar, sobretudo, a divisão de gênero e raça em seu seio. Homens brancos estão, em média, em condições melhores do que as mulheres negras – e isso pode ser constatado pelos inúmeros índices sociais e econômicos que estão à disposição: os que medem níveis salariais e de violência são os que melhor demonstram o fato de que mulheres e negros sofrem um grau ainda mais acentuado de exploração. Isso não significa que o homem branco trabalhador não seja explorado, mas que essa exploração ganha contornos ainda mais dramáticos quando se soma o componente de gênero e raça.
Ignorar solenemente tais circunstâncias, em nome de uma exclusividade à “unidade de classe” é um erro grave, em nosso entendimento. Não há contradição entre dar seguimento à luta pela emancipação da classe trabalhadora, em seu conjunto, e ao mesmo tempo compreender as desigualdades existentes nela própria. Mais que isso: a luta pela emancipação da classe trabalhadora deve se articular com a luta das mulheres e dos negros. Essas duas últimas são parte integrante da primeira, sem as quais ela não se realiza.
Ou seja, se é verdade que a questão de raça e de gênero compõem a luta de classes, também é correto sustentar que a luta de classes somente cumpre seu papel se tiver capacidade de se relacionar com a raça e o gênero.
Por um lado, não nos parecem adequadas as percepções, muito presentes hoje em dia, que pretendem fragmentar tais lutas, como se a emancipação das mulheres, por exemplo, não devesse andar junta com a emancipação da classe. Por outro, também não contribuem visões dogmáticas que enxergam à sua frente só – e somente só – a condição de classe, desconsiderando suas contradições internas. De certo modo, é uma perspectiva antimarxista.
Entretanto, cumpre ressaltar que, na medida em que a burguesia exerce sua capacidade de se unir, deixando em segundo plano suas próprias diferenças para defender os interesses gerais da classe, apenas quando o proletariado fizer o mesmo e tomar consciência de seus interesses maiores é que estarão formadas as condições para que tome o poder e passe à construção de um novo tipo de sociedade, sem explorados nem exploradores.

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