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quinta-feira, 14 de setembro de 2017

Os desafios da educação superior e a centralidade do projeto de desenvolvimento tecnológico e econômico – Por Ergon Cugler

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Os desafios da educação superior fronte aos cortes e à crise do financiamento estudantil, junto à responsabilidade de se consolidar saídas que proporcionem condições de preservar conquistas. O papel da educação como instrumento transformador da sociedade é inegável. Ao mesmo tempo, compreende-se que a etapa de superação das atuais crises e da lógica sistêmica vive no desenvolvimento nacional e no papel de produção tecnológica que somente tal educação – e políticas educacionais – bem implementada pode proporcionar.
Mas aliás, qual o resultado do projeto educacional acumulado nos últimos anos? Quais são os desafios para um sistema de formação que atue em rede, de forma a garantir desenvolvimento em regiões que necessite de tais políticas?
Um panorama do Ensino Superior no Brasil e o recorte das últimas décadas
De imediato nos cabe compreender o cenário atual e o acúmulo de movimentações que resultaram em tal realidade da educação. Segundo o Mapa do Ensino Superior construído em 2016 junto ao Sindata / Semesp (base: censo INEP) o número de Instituições de Ensino Superior (IES) no Brasil se manteve em constante avanço nas últimas décadas, com um crescimento de 106% nas IES privadas e 69% nas públicas, se estabilizando em 2014 e atingindo um total de 2.070 (87,4%) IES privadas e 298 públicas.
Este dado é importante, pois demonstra não só o crescimento da rede de ensino diretamente realizado ao expandir os campus de universidades públicas incentivado pelo REUNI, mas ao incentivo do projeto de desenvolvimento pelo alcance do ensino da rede privada por projetos como PROUNI e FIES que mudaram o perfil do estudante nas IES privadas.
Ainda segundo o Mapa do Ensino Superior, a desigualdade social que alarga a miséria é um dos fatores centrais para o déficit educacional, sentido para além das taxas de alfabetização, mas nos resultados do ENEM dos últimos anos, onde na faixa de renda de até 1 salário mínimo menos da metade (45,7%) conseguiu atingir a pontuação exigida para o FIES. Já os alunos que tiraram 450 pontos ou mais na nota geral e que não zeraram a redação (de acordo com a nova regra para conseguir o FIES), 72,8% apresentam renda familiar mensal de até 3 salários mínimos. Entre os que não zeraram a redação, mas também não atingiram a pontuação necessária para concorrer ao FIES (mínimo de 450 pontos), o percentual sobe para 91,7%, sendo que a faixa de nenhuma renda ou renda de até 1 salário mínimo já representa quase metade dos alunos (46%).
Resultante do projeto de inclusão de diversos setores no ensino superior, observamos progresso de alcance social entre os períodos de 2010 e 2014, como ao caso do FIES que saltou de 76 mil contratos para 732 mil (862% maior) e do PROUNI que entrou em 2015 com 329.117 contratos ofertados. Quanto a isto, nos é fundamental compreender tal período de acordo com o cenário econômico nacional e internacional, onde em 2016 o PROUNI se estabiliza e o FIES sofre grande corte, na margem de 60% do atual ofertado. Aliás, também foi a partir deste mesmo período que a rede privada se deparou com grande queda no número de matrículas, muito estimulada pela crise e, consequentemente impactada pela queda dos contratos de FIES.
Um dos fatores centrais da última década também é o crescimento da modalidade de educação a distância, onde em 2002 se consistia em 40.714 matrículas e, em apenas 6 anos, atingiu mais de 700mil matriculados – hoje sendo 1/4 do total de estudantes nas IES privadas. A consultoria Educa Insights já anuncia a consolidação do EaD na próxima década, “O número de alunos matriculados em cursos a distância deve ultrapassar o ensino presencial em 2023, pois a estimativa é de 9,2 milhões de estudantes em faculdades privadas, sendo que 51% deverão estar matriculados em cursos on­line”.
Tal cenário ainda se alinha à grande taxa de evasão dos cursos, mas que se evidencia principalmente na taxa de permanência – como resultado final de formação – e se expressou nos últimos anos em 40% na Rede Privada e 51,3% na Rede Pública, configurando ainda mais a necessidade das políticas de inclusão e permanência estudantil em todo Brasil.
Plano Nacional de Educação, UNESCO e os desafios para o próximo período
Em dezembro de 2010 o Conselho Nacional de Educação (CES/CNE) junto à Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) estruturou metas para os desafios da próxima década, resultando em um documento que auxiliou os trabalhos para compreender não somente os avanços, mas os objetivos e caminhos para consolidá-los. No entanto, nos cabe compreender, acima de tudo, o projeto de educação a ser estruturado no Brasil, pois é este quem deve nortear ações e políticas públicas dentro dos trabalhos expostos e compreender como tais políticas se consolidaram ao redor das metas e como, tais movimentações, serão expressas na próxima década (2020/30).
I. Ampliação de vagas nas IES públicas – Foram criadas 14 Universidades Federais entre 2002 e 2010, muito estimulado pelo Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI) de 2006. Onde inicialmente eram oferecidas 113 mil vagas presenciais em 2003 por universidades federais de todo o Brasil, em 2009 estas passam para 227 mil e atingindo 453 mil vagas em 2015, segundo o Censo da Educação Superior de 2015;
II. Interiorização – Segundo o SIMEC/MEC, no documento apresentado recentemente sobre a democratização e expansão da educação superior no país (2003-2015), a expansão trouxe expressivo crescimento de campus no interior do país, onde o REUNI proporcionou salto de 45 para 63 universidades federais, o que representa a ampliação de 40%, e de 148 campus para 321 campus/unidades – crescimento de 117%;
III. Fortalecimento da educação tecnológica – Os Centros Federais de Educação Tecnológica (CEFETs) se consolidaram em 33 unidades e mudaram o foco do ensino médio para o superior, tornando-se Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IFETs), se aproximando em suas regiões de entidades de trabalhadores e de empresários locais, de modo a contribuir com as cooperativas e as empresas para os arranjos produtivos locais;
IV. Estímulo à modalidade a distância – A criação da Universidade Aberta do Brasil (UAB), por meio de parceria entre instituições formadoras (IFETs, CEFETs e IES estaduais) e sistemas de ensino (estaduais e municipais) garantiu a expansão da ES pública por meio do ensino a distância de forma a não restringir tal modalidade à hegemonia das IES privadas;
V. Fomento aos programas de inclusão e ações afirmativas – Destacam-se, dentre medidas e avanços do Ensino Superior Público no Brasil, a política de cotas, adotada por quase 60 universidades públicas em todo o país, e a legislação referente à adequação da infraestrutura física das IES para a inclusão de pessoas com deficiência;
VI. Compromisso com a formação de professores de educação básica – O Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica (PARFOR), instituído em 2009, organizou planos estratégicos da formação inicial e continuada com os arranjos educacionais acordados nos Fóruns Estaduais Permanentes de Apoio à Formação Docente (FORPROFS), tal medida auxiliou a estruturação da qualidade da rede, reforçando o papel da universidade.
Dentre tais pontos acompanhados de perto pela UNESCO ainda restam alguns desafios para esta década e que também se acumulam para a década seguinte.
1. Ampliar a oferta de educação superior, sobretudo da educação pública, sem prejudicar a qualidade acadêmica através da relação do ensino, pesquisa e extensão, aproximando a realidade do ensino superior de cada vez mais pessoas ao redor do Brasil;
2. Desenvolver novas formas de financiamento da educação pública, fazendo por cumprir as metas do Plano Nacional de Educação, os 10% do PIB e os royalties do petróleo para a educação, de forma a superar tal crise do financiamento que coloca a educação, e consequentemente o desenvolvimento do país, à mercê das ondulações do mercado, como ao caso específico do Estado de São Paulo, financiado pelo ICMS e, como resultado, o primeiro afetado pela crise econômica, política e institucional;
3. Prosseguir com as políticas, os programas e as ações que visam à inclusão social tanto das camadas sociais menos favorecidas economicamente, quanto de pessoas com deficiência, de forma a tornar o ambiente universitário mais plural e ligado à realidade da sociedade, assim como assegurar a expansão do programa de cotas onde ainda este não se estruturou;
4. Expandir programas de financiamento estudantil para combater a evasão que se alarga nos períodos de crise, como também fortalecer o financiamento de pesquisa para produção de conteúdo científico e tecnológico, como um dos objetivos centrais da formação e de compreensão da importância da universidade para o desenvolvimento do país;
5. Estabelecer melhor articulação entre democratização da oferta de educação superior em relação ao desenvolvimento econômico e social do país de forma a reduzir as desigualdades existentes entre as diferentes regiões do país;
6. Assegurar efetiva autonomia didática, científica, administrativa e de gestão financeira para as universidades públicas que vem sida exercitada desde 2010, de forma a garantir processo mais colaborativo entre projetos e inovações de tais gestões;
7. Compreender processo de expansão do ensino de educação a distância de forma a vincular este ao alcance de regiões com maiores necessidades por distanciamento geográfico de polos educacionais. Ao mesmo tempo, criar mecanismos de acompanhamento da qualidade do modelo EaD, garantindo que tal expansão não gere prejuízo ou mesmo sua desestruturação.
São enormes os desafios da educação e mais desafiador ainda é compreender tais demandas como mecanismo de desenvolvimento nacional ao lado de uma crise profunda na economia que dificulta tais investimentos e até mesmo a manutenção dos atuais programas que tanto ajudaram a expandir, interiorizar e qualificar o Ensino Superior ao redor do Brasil.
Nos é necessário criatividade, mas também muito compromisso com tal projeto, de forma a garantir que tais avanços ocorram, pois é com base na pesquisa e no processo de inovação tecnológica e científica que formaremos o avanço do país e seu potencial econômico.
UJS

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