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sexta-feira, 1 de setembro de 2017

Um Ano de Usurpação: "O Golpe em festa e o Brasil em coma", mas é preciso esperançar, por Franklin Jr


Um Ano de Usurpação: "O Golpe em festa e o Brasil em coma", mas é preciso esperançar
por Franklin Jr
Olhando para os 365 dias anteriores, desde que mergulharam o Brasil no abismo do imponderável com o sequestro da soberania popular, a ruptura do pacto constitucional de 1988 e o atentado frontal à democracia que caracterizou o Golpe de Estado (e de mercado) de 2016, disfarçado de impeachment (flagrantemente ilegal, pois sem crime de responsabilidade, nem culposo e muito menos doloso), se confirma o antevisto cenário escatológico e desolador de desintegração acelerada do país.
Lastreado pelo acovardamento de instituições que deveriam atuar como guardiãs da Carta Magna e da soberania nacional, assim como pela anestesia social midiaticamente induzida e controlada, o descalabro em curso, vale reiterar, se concretiza pela entrega do pré-sal (e a pá de cal no salto extraordinário que daríamos na educação e saúde com os recursos do Fundo Soberano); o desmonte da Petrobras; a entrega da Base de Alcântara; a entrega de grandes extensões de terras férteis e mananciais de água para estrangeiros; o ataque aos direitos indígenas e das comunidades tradicionais; os ataques sistemáticos à soberania nacional; as sociopatias tele-inoculadas (transformadas em epidemias de ódio e fascismo); o colapso da segurança pública; a destruição da educação pública (e a proposta de “escola sem partido”, que ameaça gerar um apagão ético-epistemológico no país), do SUS e do SUAS; o desmonte do Estado e dos direitos sociais e trabalhistas; o fim da aposentadoria e da CLT; a erosão do poder aquisitivo do salário mínimo, o deplorável aporte de absurdas benesses para o sistema financeiro [1] e para as capitanias hereditárias da comunicação; dentre outros setores perniciosos para o país e para o povo; o sucateamento dos bancos públicos para a posterior privatização; o esfacelamento do Mercosul; o desprezo pela Unasul, Celac, IBAS e BRICS e o abandono da política multipolar de projeção internacional e de inserção geopolítica ativa, altiva e soberana do Brasil; a submissão traiçoeira e abjeta a inconfessáveis interesses anti-nacionais etc etc etc.
Ainda há quem diga que “está tudo bem” (só que não, ou seja, só se for bem dominado) e que "as instituições estão funcionando normalmente", pois é, funcionando que é uma beleza (seguindo leis alienígenas e ordens do centro do capitalismo global imperial) contra o povo, a soberania e a democracia do Brasil.
descalabro total é uma declaração de guerra aberta e frontal contra os direitos sociais conquistados no último século. E assim, o país potência emergente num mundo multipolar vai cedendo lugar à geopolítica do saque e a nação sendo capturada pelo sistema de dominação e opressão.
Não tem escapatória quanto aos registros de tudo isso nos anais da História, como destacou em julho, durante a Flip, na cidade de Paraty, o historiador João José Reis [2]: "Estamos atravessando uma realidade muito dura. Quilombolas assassinados, massacres sistemáticos de índios. Poderes locais estão se achando com licença de fazer essas coisas. Não é ficção. Esqueça a ficção. O pesadelo que estamos vivendo está muito bem documentado".
E por falar em história e memória, relembro aqui, parcialmente, alguns registros [3] que fiz há exatamente um ano, na antevéspera da consumação do golpe:
“Ainda que a presidenta Dilma tivesse cometido algum crime (não cometeu crime nenhum), ainda assim, não quer dizer que devesse ser a ela imputada a pena máxima da perda do mandato democraticamente conquistado, até porque, embora tendo o cargo da presidente como alvo, tal investida atingiria sobremaneira a soberania popular, pilar da democracia. Os golpistas traçaram o caminho inverso do devido processo legal, primeiro criaram a ideia de um impeachment, pretexto para demover a presidente, para depois irem atrás de um crime que não existe. Como em qualquer farsa, a farsa do impeachment de Dilma é pródiga em premissas falsas, são tantas que vou me deter em apenas uma. Vejamos o fato gerador. Um impeachment não pode prescindir de um fato gerador que se enquadre no que preconiza a Constituição, e este fato gerador deve corresponder a nada menos do que um grave crime de responsabilidade dolosamente praticado. Deste modo, o impeachment não é um mecanismo a ser utilizado de maneira trivial, para um delito qualquer, muito menos para falhas de natureza política. O impeachment no regime presidencialista é um recurso último, finalístico, uma penalização máxima, um mecanismo a ser acionado apenas em situação de extremíssima gravidade, até mesmo para não banalizar o processo legal e, principalmente, o processo democrático. Nesse sentido, o fato gerador que deve justificar um impeachment é o crime de responsabilidade praticado com dolo, ou seja, no qual o agente do crime tenha a clara intenção de cometê-lo. Portanto, para justificar a abertura de um processo de impeachment é necessário existir e vir à tona um crime altamente grave. Isso ocorrendo, avalia-se se é o caso ou não de aplicar uma penalidade absoluta ou alguma outra penalidade moderada, conforme a proporção da gravidade do crime. Ora, bolas, mas não é isso o que ocorreu, nada disso se aplica no caso de Dilma Rousseff. O fato gerador do impeachment da presidente não tem nada a ver com crime algum, nem culposo e muito menos doloso. Tem a ver é com o ressentimento de classe e com a investida revanchista e catimbenta (lembre-se do inédito pedido de recontagem de votos e da tentativa de impedir a posse da presidente) dos inconsoláveis derrotados no pleito eleitoral de 2014, assim como as demais derrotas consecutivas, desde 2002, sofridas pela direita. Sem falar de outras motivações ainda mais perversas e até inconfessáveis. [...] Criticar o governo Dilma, ou de quem quer que seja, não é apenas legítimo como também saudável para a democracia, principalmente se a crítica é no sentido de instigar o governo a reparar erros e corrigir rumos, mas não no sentido mesquinho de apenas tentar demovê-lo, fora do processo eleitoral. Aí, já é outra coisa, por sinal, abominável, que é sabotar e tentar derrubar a todo custo um governo legítimo antes do prazo de vencimento. Não se pode cobrar coerência no desacerto, nenhum dos eventuais erros políticos de Dilma justifica a violação à Constituição, o assalto à soberania popular e o ardiloso golpe contra a democracia. Portanto, o processo de impeachment movido contra ela é uma inversão escancarada da realidade, é uma artimanha premeditada, inconstitucional e inclusive criminosa [...]  a ideia do pedido de impeachment, vale recordar, foi lançada pela TV Veja logo após a confirmação oficial do resultado final das eleições de 2014 com Dilma sendo reeleita. O referido veículo, também é significativo rememorar, pertence ao mesmo grupo que tentou reverter o resultado das urnas na marra, por meio da utilização abjeta de uma capa mentirosa da revista de mesmo nome, atentando contra a democracia já naquele episódio. Foi a partir daí que a ideia do impeachment foi inoculada no imaginário, tornando-se uma narrativa hegemônica avassaladora, reverberada intensamente por parte dos grandes meios de comunicação social do país, insuflando uma massa ignóbil de seguidores e dando ares de legitimidade à ação usurpadora dos segmentos mais vis e perversos da classe política. O sequestro da democracia pela plutocracia corresponde à demolição das condições mínimas de uma coexistência digna em sociedade. [...] A par disso, agora é tudo ou nada, estamos, cidadãos brasileiros, a um passo de sermos lançados no rumo imponderável do abismo social. É pau, é pedra, é o prenúncio da morte de muitos direitos arduamente conquistados no último meio século (tudo irrefutavelmente confirmado um ano depois). [...] Aponta inclusive para a decomposição das políticas públicas distributivas, inclusivas, igualitárias, reparatórias e emancipadoras que foram intensificadas na última década, as quais trouxeram alento e contribuíram para sedimentar um começo da construção de um Estado de Bem Estar Social do qual historicamente carecemos. Não há corrupção maior do que o assalto à democracia, o roubo de 54 milhões de votos, tendo como consequência direta a disposição para a dissolução do nosso potencial soberano e entrega do nosso patrimônio, dos bens (como o petróleo, os minérios e a água), dos valores e dos serviços (a cultura, a comunicação, a saúde e a educação) mais estratégicos de que dispomos.”
Estamos todos ainda muito atônitos com a avalanche de retrocessos. Hoje nós nem sabemos ao certo se haverá eleições gerais em 2018, nem se Lula poderá disputá-la, caso ocorra, nem se o impeachment ilegal será anulado a tempo, pelo STF, de Dilma Rousseff ser reconduzida à presidência para cumprir o mandato vigente até 2018 (para o qual foi legitimamente escolhida por eleições diretas em 2014). Nesta perspectiva, uma eventual e desejável recondução de Dilma funcionaria, no mínimo, como um salvador freio de arrumação para brecar a derrocada induzida. Esta luta ganhou envergadura nos últimos dias pela resistência de uma militância altiva [4], sendo encampada por parlamentares de esquerda [5] e pelo Congresso nacional da CUT [6].
Para darmos um basta a esse (su)realismo grotesco e assombroso, é preciso desprendimento para costurar sonhos, projetos e iniciativas do campo democrático. Lutar pela anulação do golpe e pela intransigente defesa da realização de eleições em 2018 com Lula candidato, são algumas das prerrogativas essenciais e inextrincáveis para uma insurreição capaz de virar o jogo. Ou então continuaremos patinando feito baratas tontas, nos encantando por batalhas acessórias e abrindo mão da guerra pelo principal, enfrentando a miríade do varejo e deixando de lado o atacado, priorizando o combate às consequências e negligenciando o enfrentamento das causas.
Em meio às trevas, a única coisa que sabemos é da necessidade de manter viva a chama da esperança (tal como fazem a Caravana de Lula e o Movimento pela Anulação do Impeachment, dentre outras iniciativas), perseverar na resistência democrática e na construção de saídas capazes de derrotar o golpe. Como escreveu Thiago de Mello no poema 'Como um rio': "se tempo é de descer, reter o dom da força sem deixar de seguir".
[1] Governo já perdoou R$ 27 bilhões de bancos privados em 2017. Rede Brasil Atual. Disponível em: http://www.redebrasilatual.com.br/economia/2017/08/governo-ja-perdoou-r-27-bilhoes-de-bancos-privados-em-2017.
[3] Defender a democracia como se não houvesse amanhã. Blog de Franklin Jr no Jornal GGN. Disponível em: http://jornalggn.com.br/blog/franklin-jr/defender-a-democracia-como-se-nao-houvesse-amanha.
[4] Exclusivo! As 30 heroínas da Joaquim Nabuco! Reportagem do O Cafezinho. Disponível em: http://www.ocafezinho.com/2017/08/28/exclusivo-as-30-heroinas-da-joaquim-nabuco/.
[5] Luta pela Anulação do Impeachment ganha envergadura e é encampada por parlamentares de esquerda. Blog de Franklin Jr no Jornal GGN. Disponível em: http://jornalggn.com.br/blog/franklin-jr/luta-pela-anulacao-do-impeachment-ganha-envergadura-e-e-encampada-por-parlamentares-de-esquerda.
[6] Congresso nacional da CUT decide entrar na luta pela anulação do impeachment de Dilma. Disponível em: http://causaoperaria.org.br/blog/2017/08/30/congresso-nacional-da-cut-decide-entrar-na-luta-pela-anulacao-do-impeachment-de-dilma-1/.
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