"O Brasil passou a pensar diferente a partir do governo de Juscelino", acentuou o presidente do Senado, ao gravar depoimento sobre o ex-presidente Juscelino Kubitschek, o JK, de quem foi adversário no começo de sua carreira política. Sarney militava na União Democrática Nacional (UDN) e o construtor de Brasília no rivalíssimo Partido Social Democrático (PSD).
"JK sabia que as instituições tinham que sobreviver às crises políticas", continuou Sarney, muito emocionado, ao relatar a história da rivalidade e da aproximação com JK para a jornalista baiana Francisca Andrea da Silva Viana, que prepara um documentário sobre o construtor de Brasília. "Nós da UDN destratamos, fomos descorteses e até desonestos com o JK", avaliou Sarney, revendo o passado e relatando "afetuosos encontros" vividos com o ex-adversário, além de dores e humilhações impostas a JK pela ditadura militar.
Sempre em clima de muita emoção, que acabou contagiando toda a equipe de filmagem, o presidente do Senado contou que, quando governava o Maranhão, fez questão de receber JK em São Luís com "honras de chefe de estado" (11/12/1968). Juscelino, que voltava do primeiro exílio, teria lhe confidenciado que, em Minas Gerais, sua terra natal, para visitar o governador foi-lhe sugerido que entrasse no Palácio da Liberdade (Belo Horizonte) pelos fundos. Sarney também rememorou que a recepção oferecida a JK rendeu-lhe dificuldades com os militares.
O presidente do Senado leu carta de JK, recebida em março de 1972. Juscelino agradecia exemplar de seu livro Norte das Águas. Elogiava a qualidade dos contos – "li de um só fôlego" -, agradecia e rememorava a emoção da recepção em São Luís. "Aquele discurso pronunciado no jantar do Club, realizado em minha homenagem, deixou-me muito sensibilizado e, ao mesmo tempo, preocupado. Temi, sinceramente, pelas conseqüências de suas palavras generosas a meu respeito..." (íntegra da carta abaixo).
Sempre emocionado, Sarney relembrou o último encontro com JK, ocorrido no aeroporto de Viracopos, em Campinas (SP), quando conversaram longamente sobre o país e o cenário político de então. Disse que o ex-presidente estava amargurado e triste. No dia seguinte, 22 de agosto de 1976, JK morria em acidente de carro, quando seguia de São Paulo para o Rio.
Foram seis anos de pesquisa, mais de 800 livros lidos ou consultados, cinco estados percorridos e um ano de gravações. Mas, em 30 dias, a cineasta Francisca Andrea confia que terá finalizado seu documentário sobre o presidente JK, já em fase final de montagem. Sarney foi o derradeiro depoimento.
Carta de JK para o presidente Sarney
Rio de janeiro, 4 março de 1972
Meu caro Governador José Sarney,
Ao chegar ao Maranhão no dia 12 de dezembro de 1968, tive uma das mais agradáveis surpresas que um homem público no Brasil pode receber. Encontrei o Estado entregue a um governador jovem, inteligente, corajoso, digno e que realizava uma obra indispensável ao seu progresso e desenvolvimento.
Conhecia-o muito de nome, já o havia encontrado, porém, só depois de nossa conversa em São Luis é que dimensionei bem o valor e a capacidade do jovem governador.
Aquele discurso pronunciado no jantar do Club, realizado em minha homenagem, deixou-me muito sensibilizado e, ao mesmo tempo, preocupado. Temi ,sinceramente , pelas conseqüências de suas palavras generosas a meu respeito ,porém, bravas e corajosas no tocante as informações que fazia.
Voltei para o sul convencido de que na fileira das boas figuras do país, o governador do Maranhão se colocava, incontestavelmente, em primeiro lugar.
Acabo de receber, agora, o "Norte das águas" e lhe confesso outro grande prazer que você me proporcionou. O livro é uma coleção de contos admiráveis e a linguagem que emprega,os motivos que escolheu,são autenticas fotografias desse pobre interior do Brasil que você, num relâmpago de gênio, retratou.
Li de um só fôlego. Não consegui me deter no meio da leitura e, quando virei a ultima página, tive um grande pesar de que ele ainda não prosseguisse por muitos e muitos capítulos.
Achei justo o que Josué Montelo fez, comparando-o a Afonso Arinos, o velho, aquele que, também, bateu todas as estradas do sertão mineiro as reproduziu, depois, em admiráveis páginas que constituem orgulho para a literatura mineira e brasileira. Embora sejam diferentes os cenários em que trabalharam,ambos recolheram com uma fidelidade fascinante,os instantes que fixam e guardam para a posteridade,os hábitos de um povo.
Queira aceitar, meu caro governador, as palavras do meu sincero e caloroso entusiasmo pelo seu livro, com os votos que formulo para que prossiga com o mesmo trilho nos dois difíceis caminhos que escolheu: a política e a literatura.
O abraço do amigo e admirador,
Juscelino Kubitschek
Fonte: Secretaria de Imprensa da Presidência do Senado
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