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domingo, 9 de janeiro de 2011

UM ANO APÓS O GRANDE TERRREMOTO, CAPITAL DO HAITI CONTINUA COBERTA DE RUINAS

Tatiana Sabadini-Correio Braziliense
Publicação: 09/01/2011 08:00 Atualização:

Haitiana lava roupa diante da barraca onde vive desde o tremor: para o embaixador brasileiro, drama dos desabrigados é "uma brutalidade"

Porto Príncipe, terça-feira, 12 de janeiro de 2010. O relógio marcava 16h45 quando o então tenente-coronel do Exército Adriano Cabral de Melo Azevedo esperava pelos companheiros para pegar uma van até o batalhão onde estava hospedado. Ele estava no país havia dois dias e tinha participado do primeiro compromisso de trabalho na Minustah, a força das Nações Unidas, comandada pelo Brasil. Cansado da espera, resolveu entrar no hall do prédio da missão, para passar o tempo. Às 16h53, o chão tremeu e o derrubou. O militar escutou uma explosão e achou que era uma bomba. Levantou-se para sair do prédio e viu os outros seis andares desabarem diante da entrada principal. Estava preso na escuridão, o corpo soterrado pelas paredes que se transformaram em pó. A terra tremeu de novo por um minuto e meio. “Foi o tempo para me despedir da vida e pedir para Deus proteger minha família”, relembra.

Na calma, conseguiu ver um feixe de luz. “Fui engatinhando até ele, consegui colocar a mão para fora, arranquei um tijolo, depois outro e saí. Nessa hora, a gente ganha uma força sobrenatural, não sente dor nem nada”, conta. A primeira reação de Azevedo foi olhar ao redor. O prédio da Minustah está localizado em um morro alto e tem uma vista toda da cidade, a imagem o surpreendeu. “Olhei para Porto Príncipe e ela estava toda encoberta por uma nuvem de poeira. As casas tinham caído uma atrás da outra, como se fosse um dominó”, conta o oficial, que já retornou ao Brasil, depois de sete meses de missão. Agora promovido a coronel, o militar trabalhou com as tropas brasileiras no resgate das vítimas, na distribuição de remédios e alimentos e no enterro dos milhares de corpos deixados nas ruas.

Doze meses depois, as marcas daquele terremoto ainda estão por toda a parte. O Haiti não conseguirá esquecer o 12 de janeiro de 2010. O abalo, de magnitude 7 na escala Richter, destruiu a capital, causou mais de 250 mil mortes e deixou 1,5 milhão de desabrigados. O mundo se mobilizou para ajudar a população de um país marcado pela miséria e depois pela devastação. Milhões foram arrecadados e dezenas de organizações não governamentais se instalaram em Porto Príncipe. O cenário de emergência acabou. Falta agora força para reerguer a capital haitiana das ruínas.

Sem recursos

A reconstrução será longa e exigirá ainda mais esforços. Segundo a organização humanitária Oxfam, de 60 milhões de toneladas de escombros, apenas 5% foram removidos. De US$ 2,1 bilhões prometidos para 2010, como ajuda externa, apenas 42% foram desembolsados. Para o embaixador brasileiro no país, Igor Kipman, o trabalho é árduo devido à magnitude da catástrofe. “Existem muitos projetos em andamento, mas não em volume suficiente diante da amplitude da tragédia. É uma brutalidade o fato de você ter mais de 1 milhão de pessoas em abrigos temporários, é difícil de digerir. O terremoto foi de tanta expressão que, por mais que se faça, não é possível notar em um ano”, defende o diplomata.

Nove meses depois da tragédia, os haitianos tiveram de lidar com outro problema: o cólera. A doença se propagou rapidamente pela capital e mais de 3.300 pessoas morreram. “Em outubro, surgiu uma nova emergência, os esforços de governo e da comunidade internacional que estavam dirigidos para a reconstrução tiveram de ser direcionados para a epidemia”, afirma Kipman.

O Haiti também passa por um momento de transição. As eleições presidenciais de novembro foram marcadas por acusações de fraude. O segundo turno, que estava marcado para o próximo dia 16, não vai se realizar nessa data, pois até o momento o resultado oficial do primeiro turno não foi divulgado. “Isso atrasa o processo da formação de um novo governo. Tanto os haitianos estão na expectativa para conhecer quem será o novo presidente como a comunidade internacional também está na espera, para saber quem vai gerir esses recursos”, completa o embaixador brasileiro.

Depoimento

“Às vezes me faltam palavras para expressar o que aconteceu no terremoto. Foi tudo tão rápido e absurdo. A gente vive uma experiência dessa e dá mais valor à vida. E, ao mesmo tempo, deixa de ficar se preocupando com muitas coisas. Quando aconteceu o tremor, eu estava junto da doutora Zilda Arns e várias lideranças religiosas. Ela tinha acabado de dar uma palestra e muita gente já tinha saído do prédio, estávamos lá ainda trocando e-mails e telefones. A terra tremeu e ouvimos um estrondo.

Eu caí no chão e não vi onde ela foi parar, não vi mais nada. O prédio balançou muito, eu consegui me colocar de pé, vi que o lugar onde eu estava começou a desabar e pulei. Foi questão de segundos. Conseguir chegar à rua e tentei voltar no local, mas o corredor tremia muito. A sensação de estar sem chão, de estar sozinha, de ter perdido a doutora Zilda, foi desesperadora. Tive alguns ferimentos e fiquei mais dois dias no país, na base militar, tentando ajudar os feridos e as crianças que chegavam, como era possível.

Se o Haiti é um país pobre, neste momento está em condições de miserabilidade. É de doer ver os adultos e as crianças pedindo comida nas ruas o tempo todo. É muito importante a ajuda de outros países, particularmente do Brasil. Seria muito importante fazer um trabalho na linha do saneamento, desenvolver a agricultura familiar e ajudar a promover um projeto de geração de renda para o país ter uma economia autossustentável. É hora de a gente deixar a ganância de lado e o desejo de riqueza, para estender as mãos gratuitamente para que essas pessoas tenham uma vida digna.

Irmã Rosângela Maria Altoé, integrante da Pastoral da Criança e sobrevivente do terremoto

ENTREVISTA - PAUL CRUZ
“Um trabalho de vários anos”

Quando o general brasileiro Luiz Guilherme Paul Cruz assumiu o comando das tropas de vários países que formam a Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (Minustah), em abril do ano passado, a ajuda de emergência pelo terremoto de janeiro tinha acabado. Era hora de começar as ações de reconstrução do país. Desde então, no comando de um contingente de 11 mil homens, ele teve de enfrentar o surto de cólera e garantir as eleições presidenciais. Em entrevista ao Correio, por telefone, o comandante da Minustah se diz esperançoso com um novo governo, apesar do complicado processo eleitoral, e afirmou que a ajuda do Brasil “ é um trabalho de vários anos”.

Um ano depois do terremoto, como está a reconstrução?

Muita coisa já foi feita, mas o desafio é enorme. A ajuda emergencial passou e ainda há muito o que fazer. Os grandes projetos, destinados a dar sustentabilidade econômica, precisam deslanchar. Por isso, há uma grande esperança nas eleições, para que, com um governo legítimo, o país possa levar a cabo o desenvolvimento e se tenha um interlocutor entre o Haiti e a ajuda humanitária.

Qual é o papel das tropas brasileiras?

A tropa tem sua ação primordial na segurança e na estabilidade. Isso é necessário para que se desenvolvam os trabalhos de cooperação pontual, para poder ajudar as pessoas. Temos uma relação estreita com o comando da embaixada brasileira, principalmente na área da saúde e de operações técnicas. O Brasil tem dado uma ajuda relevante ao Haiti. Além disso, na posição política, faz com que haja engajamento dos outros países da América do Sul para trazer soluções e desenvolvimento.

Mas os militares também fazem trabalho humanitário, não?

Uma das questões de segurança é estar junto das comunidades onde você atua. Aparece uma necessidade e, naquilo que é possível, contribuímos. Mas há uma diferença entre ser o responsável e participar desse esforço. A engenharia militar brasileira, por exemplo, faz recuperação das ruas de Porto Príncipe, mas com ajuda de fundos do Itamaraty para compra de asfalto. É todo um conjunto.

Até quando a ajuda do Brasil será necessária para os haitianos?

A cooperação do Brasil é importante para o Haiti. Ela vai continuar e deve crescer, como ocorre com outros países da América Latina e do Caribe. A nossa participação e das Nações Unidas pode mudar de perfil conforme a situação do país tenha uma evolução e maior estabilidade. É um trabalho para vários anos. Em respeito a tudo que já foi feito, temos de preservar para que continue. Esperamos que o processo eleitoral conduza a um novo governo e que o povo haitiano possa seguir em frente.

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