Lá em 1846 Marx e Engels, numa crítica ao idealismo e ao materialismo mecânico da filosofia alemã (especialmente Hegeliana), em “A Ideologia Alemã”, um livro que revolucionou o pensamento filosófico alemão e por conseguinte de toda humanidade, já afirmavam:
“As ideias da classe dominante são, em todas as épocas, as ideias dominantes, ou seja, a classe que é o poder material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, o seu poder espiritual dominante.”
Essa é uma premissa básica do Materialismo Histórico-Dialético, justamente porque se confronta com o idealismo hegeliano cuja tese defendida era de que as ideias à priori é que constituiriam a sociedade como ela é, a posteriori. E é inegável. Toda prática da sociedade moderna e contemporânea demonstraram cabalmente como isso é verdade.
Cá estamos, nos idos do inicio do século XXI.
Avançamos, indiscutivelmente, em uma série de debates que dizem respeito à própria condição humana, à sua liberdade e individualidade, o mundo passou por uma revolução cultural e comportamental no fim do Século XX que arrebentou antigas amarras às individualidades, sobretudo de grupos marginalizados. Hoje as mulheres alcançam novos postos de liderança na política e no trabalho. Negros e negras tem conquistado espaços de onde antes eram marginalizados. A sexualidade tem sido melhor assimilada pela sociedade e gradativamente vamos aprendendo a viver com as diferenças. E isso ainda é tão pouco.
Mas eu tenho refletido, como pudemos avançar à esse nível de consciência, se a classe dominante é cada vez mais hegemônica, a concentração de poder econômico cada vez mais agudo e existe, ainda, tanta desigualdade e tanta miséria? Estaria Marx errado? Estamos mesmo sob a égide da dominação da burguesia (das grandes corporações multinacionais e o mercado financeiro) rompendo barreiras e conseguindo cavar espaços que furam o bloqueio da ideologia da classe dominante?
Não. Em minha própria reflexão concluo que não foi dessa vez que Marx se equivocou, mas pelo contrário, observando com um pouco mais de cuidado esses novos fenômenos do pensamento contemporâneo é possível notar como a classe dominante se apropria dessas novas pautas, assimilando-as, para deslocá-las à um eixo que esteja relacionada com suas ideias e programas essenciais da formação econômico-social. É possível enxergar essa movimentação com mais vigor e materialidade pela própria apropriação mercadológica de símbolos, signos e processos de resistência constitutivos de grupos marginalizados.
Mas ideias dominantes podem se impor – ou se infiltrar – sobre a sociedade por meio de diversos instrumentos do estado e da própria classe dominante (configurada pela burguesia, gerente desse estado no sistema capitalista): podem ser inicialmente elaboradas e fundamentadas na academia, com o peso da “reserva” intelectual à que lhe é conferida; ganha notoriedade e é difundida por meio do ensino escolar, da imprensa, da propaganda, das mídias em geral, da igreja, dos próprios núcleos familiares, e demais mecanismos de divulgação; e finalmente passam a ser assimilados pelo senso comum, que não são frutos de conhecimentos populares e tradicionais, e abandonam qualquer tipo de necessidade de averiguação científica ou lógica de explicação.
É certo que já há alguns anos, talvez até décadas, com mais força após a queda do muro de Berlim e o fim da URSS, que todo pensamento contra hegemônico estruturado a partir da modernidade e do pensamento marxista tem sido relegado pelas elites acadêmicas e rechaçado por essas outras ferramentas do estado. Me parece crescente o domínio de correntes epistemológicas que propõem uma fragmentação do conhecimento e métodos fluidos e/ou puramente narrativos e interpretativos dos fatos.
A isso que rusticamente e de forma incipiente muitos chamam de pós-modernidade poderiam se traçar longos estudos acadêmicos, paralelos e comparações com outras perspectivas de análise da sociedade. Mas aqui quero apenas encerrar em poucas palavras o que é só mais uma provocação em um debate colossal. Trato de assim fazer porque o incomodo que me levou a escrever esse texto está ligado diretamente à como essas mudanças epistemológicas – e dialeticamente ideológicas – fazem parte do nosso cotidiano e alteram a forma de pensar, de agir e mesmo de consumir na nossa sociedade.
Portanto avançamos, mas avançamos dentro dos limites da ideologia burguesa, e se não nos propormos a construir – e repensar constantemente – perspectivas filosóficas que confrontem essa hegemonia e nos deem condições de convencer a maioria da sociedade, isto é, o proletariado, de seu papel transformador, jamais alcançaremos a plena emancipação e a libertação humana, que devem partir também do conhecimento.
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