Vejo muita gente torcendo o nariz quando se fala dos filmes de Luiz Carlos Lacerda. Criticam os diálogos, o roteiro, as interpretações, quase tudo… Mas comparar o cinema do “Bigode”, apelido do cineasta, com o quê? Podem dizer o que quiser, mas ele é autêntico, fiel a suas propostas e gostem ou não, ele está com um novo filme no circuito: “Introdução à música de Sangue”. E que belo filme!
Um filme de atores
Baseado no conto do escritor Lucio Cardoso, o filme mostra um lugar esquecido por Deus. No local, mora um casal interpretados por Ney Latorraca e Bete Mendes e a jovem Maria Isabel, interpretada por Greta Antoine. Essa tranquilidade é abalada com a chegada do jovem vaqueiro, personagem de Armando Babaioff, e da eletricidade. O filme valoriza muito os atores e a fotografia.
Ney Latorraca sabe transmitir a raiva, o ciúme, a excitação, só com o olhar. A paixão que seu personagem Uriel nutri pela menina é doentia, gerando um suspense na relação dele para a garota, porém, ela nem imagina do desejo sórdido do agricultor. Bete Mendes, além de esposa, é a costureira que sonha com uma máquina de costura elétrica.
E a menina Maria Isabel, que na tela parece não ter mais do que 16 anos, isso é incrível, já que Greta tem 30 anos de idade, nos faz lembrar da música de Gonzagão: “toda menina que enjoa da boneca é sinal que o amor já chegou no coração”, sim, ela está se despertando para o mundo. Encenar com Ney e Bete, dois monstros da teledramaturgia, não deve ser fácil, mas Greta dá um show. É impossível você não ter medo de Uriel, não querer tomar um cafezinho da costureira, não ficar encantado pela jovem Maria.
O filme fala da solidão, do contraste entre o novo e o velho, das rupturas, da liberdade.
A luz que dá vida ao cinema
Rodado no interior de Minas Gerais, mostra a rudeza em que vivem algumas pessoas pelos grotões desse Brasil. Ou será que quer nos revelar um Brasil ainda arcaico? Na fotografia, o diretor optou por filmar a luz natural, criando uma bela textura. É uma câmera mais contemplativa, planos longos, mesmo quando ela está mão percorrendo os caminhos, nos possibilitando adentrar nos aposentos do trio ou no quintal repletos de goiabeiras. Lacerda faz um trabalho cuidadoso, muitas vezes parece retornar no seu primeiro e ótimo filme como diretor “Mãos Vazias”, de 1971.
As escolhas de Lacerda
Se o filme tem algum ruído, este fica por conta de alguns diálogos que parece mecânico ou teatral, por exemplo, sobre a chegada luz. Se fosse filmado há 10 anos, pareceria uma propaganda “Luz para todos” do governo de Lula, mas seria uma propaganda ruim. Mas os filmes do Bigode têm essa interpretação mais teatral, está em Mãos Vazias, Leila Diniz, Viva Sapato e outros. Não encaro como erro, mas como escolha. Outro problema no filme é o final. Lacerda poderia ter terminado de uma forma mais poética, mas parece testar finais dosando demais a pílula. Mesmo assim, nos tira da zona de conforto.
A grama do vizinho é sempre mais verde.
Mas como tudo que não parece com filme norte-americano ou entretenimento parece erro, os depreciadores atacam nossos autores e suas opções, jogando o cinema brasileiro na sarjeta. Parece que nascemos para jogar futebol e não para dirigir filmes. Algumas críticas que Lacerda recebeu no festival de Gramado, como um filme sem profundidade, são ralas. Fico questionando o que leva “Introdução” ser depreciado e o filme norte americano “Vida”, uma cópia deslavada de “Alien – o 8º passageiro”, ter recebido 4 ou 5 estrelas pelos jornais quando passou aqui.
Ou seja, a nossa necessidade de se fazer público para o cinema nacional não passa só pelos distribuidores/exibidores que lotam os Cinemarks da vida com os seus Blockbusters, vai muito além. A crítica deveria fazer o papel de estimular o espectador a ver os acertos e os erros dos filmes brasileiros, para educar o nosso olhar. Mas, como apontar os erros é destruir a obra, a “Mulher Maravilha” e “Múmia” passam por aqui recolhendo corpos.
Ainda bem que temos Lacerda e o seu “Introdução à música de sangue” para saber que ainda estamos vivos.
Fonte: UJS
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