Publicado na DW.
Estreia no Festival de Cinema de Munique, nesta quarta-feira (06/07), um filme-entrevista sobre uma notável testemunha da era nazista: hoje com 105 anos de idade, Brunhilde Pomsel foi estenógrafa e secretária pessoal de Joseph Goebbels, o ministro da Propaganda de Adolf Hitler, nos últimos três anos da Segunda Guerra Mundial.
A partir de várias horas de entrevistas, quatro diretores – Christian Krönes, Olaf Müller, Roland Schrotthofer e Florian Weigensamer – montaram um documentário elucidador. A concepção de Ein deutsches Leben (Uma vida alemã) é quase minimalista: em preto e branco, suas longas sequências de diálogo só são interrompidas por breves cenas documentais.
Ao enfocar de forma distanciada uma contemporânea da época nazista que servia em posição subalterna, o resultado é mais convincente do que muitos dos incontáveis e pomposamente encenados programas da TV alemã sobre a Segunda Guerra e o Holocausto. A própria protagonista aprovou, comentando: “É importante, no fim da vida, ser colocada diante do espelho e reconhecer tudo o que se fez errado.”
DW: Brunhilde Pomsel se mostrou imediatamente disposta a participar de Ein deutsches Leben?
Christian Krönes: Nós encontramos a Sra. Pomsel por acaso, no decorrer de uma outra pesquisa. Esse não mais esperado encontro com uma lenda viva foi, então, pretexto para nós arriscarmos a tentativa. Quando começamos a rodar, ela estava com 101 anos. Nós sabíamos que não íamos ter muito tempo mais, mas queríamos fazer esse filme de todo jeito.
Como transcorreram os preparativos e a filmagem?
CK: Levou um tempo para ela relaxar, pois ela tinha tido experiências muito ruins com a mídia, que apresentou a história dela e as entrevistas de forma muito abreviada. Levou algum tempo para convencê-la. Quando ela estava pronta, aí enfrentou com grande concentração e disciplina os trabalhos de rodagem, certamente muito cansativos para ela. Foi realmente a primeira vez que se abriu de forma abrangente.
O espectador tem a impressão de que a Sra. Pomsel se expressa e também reflete com honestidade. Vocês também tiveram essa sensação durante as gravações?
CK: Não acredito que ela tivesse recalcado os fatos. Ela certamente refletiu. Ela também participa muito dos acontecimentos atuais, reflete sobre o presente, sobre a própria vida. Sem dúvida, na narrativa dela há fórmulas de expressão que se repetem. Com certeza ainda há um detalhe ou outro, uma história ou outra, que ela não nos contou e que nunca contou.
Por outro lado, de certa forma ela fez uma confissão sobre a própria vida. Quando lhe mostramos o filme, de que gostou muito, ela pronunciou uma frase francamente admirável: como é importante, no fim da vida, ser colocada diante do espelho e reconhecer tudo o que se fez errado.
Ela oscila entre “rechaçar a culpa” e “confessar”. Isso ainda é o reflexo do comportamento de muitos após a Segunda Guerra?
CK: Acho que a Sra. Pomsel é representativa de milhões de outras pessoas, de milhões de colaboradores passivos que tornaram possível esse sistema. Isso é provavelmente o aspecto que torna esse filme histórico, esse documento da história recente, tão interessante para o presente. O filme conta sobre uma sociedade funcional que sai dos eixos: crise econômica mundial, desemprego, ascensão dos nacional-socialistas – menos de uma década mais tarde, isso desemboca na maior catástrofe da história da humanidade.
No presente estamos, de certa maneira, numa situação muito semelhante, o que torna o filme moderno e atemporal. Superamos uma crise econômica e somos atingidos por uma onda de refugiados. Por toda a Europa, os partidos de direita se fortalecem. O problemático é que não é apenas um país, como a Alemanha naquela época, mas desta vez é o continente europeu como um todo que de certa maneira vai resvalando para a direita.
Uma cena mostra a Sra. Pomsel reagindo de forma emocional, que é quando ela fala da morte dos filhos de Goebbels. Em relação às outras vítimas, ou seja, judeus, civis, etc., a reação dela é menos emocional. O que isso revela?
Florian Weigensamer: Há ainda uma segunda cena, que trata de Sophie Scholl e da resistência. Pomsel diz: “Esses pobres jovens, executados por causa de um panfleto…” Ambas as cenas demonstram muito bem, acho, que para a Sra. Pomsel o que estava em jogo eram sempre as emoções pessoais, e nunca o “estar acima dos fatos”, o panorama político global. Isso, ela nunca viu.
Ela tem pena dos dois pobres jovens executados por causa de um panfleto: “Se eles tivessem ficado de boca fechada, estariam vivos até hoje.” Em si, isso é uma constatação absurda, mas que, no mundo dela, tem lógica. Pois ela só se importa com essas duas pessoas. E, como com os filhos de Goebbels, o que conta para ela são apenas as emoções pessoais: “As pobres criancinhas…” Para ela, todo o desvario em volta não conta.
Vamos falar de estética cinematográfica: vocês trabalham em preto e branco e sem comentários, e inserem apenas breves documentários entre os blocos de entrevistas, filmes de propaganda nazista ou rodados pelos Aliados logo após a libertação dos campos de concentração.
CK: O tema em questão é atemporal. Nós queríamos experimentar lhe dar uma estética também atemporal. Nós optamos pela variante em preto e branco, que dá esse caráter; mediante a situação de estúdio, nós situamos Brunhilde Pomsel fora do espaço e do tempo.
FW: O material de arquivo não se pode comentar: em si, ele já é propaganda. Intervir novamente aí seria propaganda ao quadrado, disfarçada de material histórico. Nós queríamos deixá-lo intencionalmente dessa forma, sem música, sem cortes, sem a nossa intervenção. Queríamos caracterizar o material pela finalidade para que foi produzido. Aí, ele conta uma história diferente da que se costuma ver nos especiais de televisão.
Se bem que não se trata só de propaganda nazista: também as sequências registradas por americanos e russos depois da libertação são mostradas sem comentários. Por quê?
FW: É claro que, de certo modo, é para ser também um contraponto à visão da Sra. Pomsel sobre essa época. “Ah, meu Deus, os judeus… Eu nem percebi nada… os campos de concentração…” Então é simplesmente preciso mostrar o que foi e que era perfeitamente possível saber, sim, se se quisesse, e se tivesse visto essas imagens.
Essa é a única acusação e a única culpa que ela carrega. Olhar para o lado é culpa, sim, e ser apolítico já é culpa suficiente. A intenção não foi desmascará-la como nazista. Isso ela decerto não era. Ela só era desinteressada – e isso é, justamente, uma forma de culpa.
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